domingo, 30 de dezembro de 2007

Ano Novo

Crônica
Ano Novo
Achylle Alexio Rubin / achyllerubin@yahoo.com.br
Blog: achyllerubin.blogspot.com

Vamos entrando no ano 2008. Estive me perguntando qual poderia ser a melhor mensagem para tal oportunidade. Não achei outra melhor do que desejar aos leitores de A Razão uma grande dose de verdadeira esperança.
A esperança que a todos desejo nada tem a ver com o sentido negativo que por vezes lhe damos quando dizemos fulano vive só de esperança, para significar que vive de ilusões. Muito pelo contrário. A verdadeira esperança, em lugar de significar incerteza, significa certeza do bem que nos aguarda.
Donde poderá vir essa certeza? Ela brota de uma promessa feita por alguém digno de fé, ao qual damos crédito incondicional. A esperança então é objeto da promessa de alguém que tem autoridade para tanto. Se o pai promete alguma coisa ao filho, este não alimenta dúvida alguma de que o pai cumprirá o prometido. Portanto, a esperança participa da fé. Trata-se de crer na pessoa que nos fala prometendo-nos algum bem.
Há muitos anos um menino de seus onze anos de idade veio a mim fazendo-me algumas perguntas. Na medida em que eu lhe ia respondendo, ele repetia: Se o senhor diz, é porque é! Com essa fé, se eu lhe prometesse algum bem futuro, estou certo que ele não duvidaria do cumprimento de minha promessa.
A esperança funda-se pois na autoridade de quem promete o bem. O exemplo que dei refere-se à esperança humana, fundada na autoridade humana. Quanto maior e mais sólida a autoridade, tanto maior e mais sólida a esperança.
Dia 30 de novembro último, o Papa Bento XVI publicou uma Encíclica sobre a esperança, com o título latim Spe Salvi (salvos na esperança). Trata-se de uma longa carta com cerca de oitenta páginas que o Papa enviou aos católicos e ao mundo. Nesse documento ele contempla o triste fato de um mundo sem esperança.
Duas razões aduziu o Papa, justificando essa afirmação. A primeira diz respeito a uma constatação histórico-filosófica. Desde o século XVII, iniciando com o filósofo Francis Bacon, morto em 1626, e passando por Descartes e Kant, a esperança começou a buscar fundamento nas ciências exatas, terminando na fé no fabuloso progresso da tecnologia. A tecnologia é uma promessa falaciosa que promete resolver todos os problemas humanos, até mesmo o prolongamento indefinido da vida. Assistimos no Natal e primeiro de ano à corrida louca às compras, ao consumo desenfreado de mil produtos, por vezes ilusórios, oferecidos pela tecnologia. A esperança se esgota nesse burburinho.
A segunda razão porque o mundo está sem esperança resulta do abandono de Deus e, em conseqüência, da falta da resposta definitiva ao sentido da vida.
Qual o sentido de nossa existência? Somos seres destinados a acabar com a morte? Entretanto, habita em nós um desejo insaciável de uma felicidade diradoura, de um amor sem fim. A que serve esse desejo, essa paixão? Jean Paul Sartre, ateu confesso, morto em 1980, ao negar Deus, autor da promessa da realização dessa paixão, concluiu que “o homem é uma paixão inútil”. Esse é o mundo sem esperança: o homem é um ser inútil.Dia 1º de janeiro é o dia em que fazemos muitas promessas de felicidade, vida plena, saúde e prosperidade. Oxalá não esqueçamos a promessa d’Aquele que prometeu a felicidade sem fim, o amor que não acaba, fazendo que a paixão insaciável pelo bem deixe de ser inútil e que nós mesmos tenhamos um termo feliz, um sentido para além da morte.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Buscai primeiro o Reino de Deus

Há muito venho meditando sobre a afirmação de Bento XVI em sua Encíclica Deus charitas. Escreve aí sobre "a inseparável relação entre o amor a Deus e o amor ao próximo" (nº 16).
Ouso colocar aqui como convite à reflexão uma visão que parece pouco considerada nos tempos atuais. Todos estamos já de acordo em dizer que não são, digamos, dois componentes que se excluem ou que andam paralelos, como, aliás, já se tem afirmado. Na prática pastoral amor a Deus e amor ao próximo poderiam ser traduzidos por este outro binômio: ação pastoral e ação social.
Nos últimos tempos a vida cristã esteve muito dividida entre dois grupos nitidamente distintos. Os que buscavam aprofundar a experiência de Deus, a vida batismal, e os que se consagravam à missão social da Igreja. Estes últimos acusavam os primeiros de "intimismo", coisa que o próprio Papa Bento XVI mensionou em seu Discurso inaugural da V Conferencia dos Bispos da América Latina e do Caribe. Representantes dessas duas posturas aparecem de um lado as Comunidades Eclesiais de Base e, de outro, a Renovação Carismática Católica.
No meu entender, há um grande esforço no seio da Igreja por relacionar essas duas posturas com uma "inseparável relação". A questão que me faço, porém, visa aclarar como acontece tal relação.
O capítulo oitavo do Documento de Aparecida sobre "Reino de Deus e promoção da dignidade humana", espicaça minha curiosidade por encontrar e propor à reflexão uma resposta sobre o modo como o amor a Deus e o amor ao próximo se relacionam. Sinto que tal relação é análoga à relação entre a Doutrina Social da Igreja e a vida batismal do cristão.
Vou arriscar uma resposta, hoje, não comum. Na chamada filosofia clássica que eu identifico com a de Santo Tomás de Aquino há parâmetros racionais que, na minha opinião, ajudam enormemente a compreender essa relação. Deveremos partir de um ponto que podia ser o seguinte: Todo ser criado é composto de um componente "ativo", determinante, e outro componente "passivo", determinado. Dou um exemplo: o que determina que a matéria se faça planta? Essa matéria poderia ser qualquer outra coisa: animal ou elemento químico. No caso da planta a matéria é determinada pelo componente vegetal determinante. Este representa para a matéria um "poder" capaz de selecionar da terra e da luz os elementos de que precisa para, com uma "engenharia" admirável, organizá-los de sorte a se fazer crescer, dar flores e frutos. Ninguém faz isso por ela.
Vamos agora ao caso. Pelo batismo nós recebemos um componente, "participação da natureza divina" (2Pd, 1,4). Tal componente está vocacinado a atuar em nós à semelhança do componente vegetal para a matéria. Pois bém, assim como o componente vegetal dá àquela matéria a capacidade de crescer e produzir, assim também o componente divino do batismo produz frutos de amor ao próximo, todos os elementos de promoção humana, de justiça social, conforme a passagem de Mateus, 6, 19-24 e de Lucas 12, 22-31. Ambos os evangelistas concluem: "Buscai em primeiro lugar o Reno de Deus e sua justiça que todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo".
Concluo. "Todas estas coisas"... poderíamos dizer que são a ética, a ação social, a opção pelos pobres, a fome e a miséria, etc. Essas coisas, porém, deveriam fluir ao natural do crescimento na vida batismal, à semelhança do vigor da matéria vegetal.
Assim que, lanço como convite à reflexão, a Doutrina Social da Igreja representa um auxílio lateral que a Igreja oferece ao Estado; auxilio esse que é tirado da intensidade da vida cristã e por ela somente será realizado. Pode-se dizer que todos os santos foram dedicados de forma exímia aos pobres, aos doentes, enfim, aos necessitados, sem nunca terem feito opção pelos pobres. O atendimento aos necessitados brotava espontâneo da compaixão que fluia da vida batismal e não do compromisso. É outro tipo de compaixão.
Tenho escrito que o Império Romano, não ruiu porque os cristãos se lançaram a reformar as estruturas. Ruiu porque, quando o Império, por assim dizer, se deu conta, a mãe do Imperador era nada menos que Santa Helena. O Império foi permeabilizado pela novidade de vida dos cristãos, pela novidade do amor fraterno: "vede como se amam!"
Portanto, concluo repetindo: "Buscai primeiro...".
Considero esta reflexão de suma importância para nossa Igreja. Gostaria de dialogá-la com outros.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Papai Noel versus Natal

Papai Noel versus Natal
Achylle Alexio Rubin / achyllerubin@yahoo.com.br
Blog: achyllerubin.blogspot.com
Muitos lamentam que o Papai Noel faça ir para os ares o verdadeiro sentido do Natal, conhecido por toda pessoa medianamente culta. Vou tentar, entretanto, abrandar essa justa preocupação, apresentando duas considerações.
Em primeiro lugar, é verdade que o que aparece ostensivamente na mídia, na propaganda comercial, nos cartazes de ruas e praças, inclusive no seio das famílias, é o Papai Noel. Dá a impressão de que o sentido máximo do Natal não existe mais.
Entretanto, também me parece ser verdadeiro que, no silêncio das igrejas, dos encontros das comunidades cristãs, do aconchego das famílias, da novena de Natal, verifica-se outra realidade bem mais profunda, bem mais real. Considero que grande parte das pessoas está voltada para o Natal. Vale-se do Papai Noel apenas como expediente de propaganda, ou como alimento da imaginação infantil, mas sempre como coisa absolutamente secundária. Os mitos também influem, por exemplo, no relacionamento familiar. Recordo de pequeno que quando se nos soltava um dente de leite, o guardávamos cuidadosamente numa fresta da casa para gozarmos de manhã da sensação de encontrarmos em seu lugar uma moeda.
A segunda consideração que o Natal me sugere gira em torno do que acabo de afirmar. Os que não deixam a figura do Papai Noel empanar o Natal sabem que, quando se trata do próprio sentido de nossa existência, não podem prevalecer ilusões desse tipo. Explico-me com a máxima clareza possível.
O Papai Noel revela no íntimo do ser humano um desejo de alcançar plenitude. Somos seres insaciáveis. É como uma paixão. Não conseguimos nunca estar satisfeitos com o que temos. Queremos ter sempre mais. Revela-o, sobretudo nesta época, a ânsia com que nos lançamos às compras, à troca de carro por um modelo novo, ou à troca do computador, ou do celular...
Um antigo filósofo, talvez Diógenes, reagindo contra essa “loucura”, olhava para os mercados e exclamava: “Senhor meu Deus, eu vos agradeço porque nada disso eu preciso!”.
Um filósofo contemporâneo, Jean Paul Sartre, inteligentemente reconheceu que nós temos essa paixão pelo infinito dentro de nós, mas, sendo ele ateu, definiu o homem como “uma paixão inútil”. Assim, para ele, nada tem finalização. E não tendo finalização tomba-se no puro sem-sentido, no absurdo de todo existir. O que revela tal fato tão bem caracterizado por esse filósofo?
Revela que, ou somos de fato um absurdo, ou então somos um vazio de Deus que anseia avidamente ser preenchido. Toda vez, porém, que não temos o infinito, o absoluto a encher esse vazio, nós apelamos para sucedâneos. Tentamos, ilusoriamente, encher o vazio de Deus com aquilo que já o grande Aristóteles dizia em sua Ética a Nicômaco: o ignorante, escreveu ele, coloca sua felicidade nos prazeres, nas riquezas e nas honras; o sábio, porém, a coloca no Sumo Bem. Hoje se costuma caracterizar tal ignorância com três verbos: prazer, ter e poder.
O vazio de Deus em nós é, na verdade insuportável. Ou se o preenche com o próprio Deus, ou tentamos preenchê-lo com nossas ilusões. Não seria tão trágico se não estivesse em jogo o próprio sentido de nossa existência. Sem aquele único que poderá encher esse vazio de sentido, cairemos no pessimismo absoluto, conforme a conclusão do filósofo citado: Nada tem sentido, nossa própria existência se esvai no absurdo.
A conclusão a que estou chegando é que as corridas para as compras, as celebrações em torno do Papai Noel, revelam um elemento positivo: o vazio de Deus uivando em nosso interior.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Outra vez

Outra vez qualidade de ensino

Dois fatos me fazem voltar à consideração sobre a qualidade do ensino: o que apareceu em muitos noticiários sobre a memória de um gorila e o exame internacional tomado dos secundaristas pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Entre 57 nações testadas, o Brasil alcançou o 53º lugar em matemática, o 52º lugar em ciências e o 48º lugar em leitura. Será motivo de consolo não termos ficado na ponta da rabeira?
Os comentários em torno deste último fato aparecem em muitos órgãos da mídia. Mas o que me chama atenção é que as sugestões de reforma do ensino giram prioritariamente em torno dos aspectos quantitativos do ensino. Reclama-se do baixo salário para os professores, aliás, com muita razão, da falta de salas de aula para um número sempre crescente de alunos, de escassez de meios técnicos auxiliares, etc.
Considero que se prestássemos mais atenção para a qualidade do ensino alcançaríamos melhores resultados. Refiro-me ao caso do gorila, por ser paradigmático. O gorila japonês, diante de uma tela do computador, onde estavam escritos os números de 1 a 10, todos espalhados em desordem, conseguia apontar um após outro em perfeita ordem. Depois, apagados os números e substituídos por manchas brancas, o gorila novamente apontava em perfeita ordem todos os números. O mesmo exercício jovens universitários não conseguiam acertar.
Esse fato, recordou-me minha utopia de cinqüenta anos atrás. No meu longo tirocínio de professor, acreditei que um ensino de qualidade deveria priorizar a inteligência do jovem e não a memória. Por isso, comecei minha primeira aula de filosofia dizendo que deveríamos transferir o pólo da “matéria” a ser ensinada para o pólo da compreensão da mesma.
Para o efeito da compreensão acreditei que o mais importante seria o exercício da mente e não a guarda da “matéria”, onde se privilegiava a quantidade a ser transmitida. Nossa mente não desenvolve pela simples quantidade da “matéria”, mas pelo exercício, ainda que seja com um mínimo de “matéria”. Dizia que um bom craque de futebol não necessita jogar em todos os campos do mundo. Basta-lhe um só para se tornar um verdadeiro craque. O mesmo se diga de um bom violinista.
No meu contato com universitários aqui em Cascavel sou confirmado. Asseguram-me que não conseguem entender a “matéria”. Com isso apelam para a memória, coisa muito mais “prática”, por ser mais rápida e mais fácil, em função de vencer nos exames.
Dois meses atrás estive dando uma palestra sobre o ensino da filosofia, na cidade de Toledo, para alunos e professores da Universidade do Estado do Paraná. A queixa de uma professora foi muito sintomática. Disse que, com a programação oficial, não há espaço para cuidar do desenvolvimento da inteligência, é preciso correr...
Conclusão, poder-se-ia propor debates sobre o que significa um ensino de qualidade, pois, não creio que o gorila seja modelo adequado para a aprendizagem.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Ideologia

Fim das ideologias?
Tem-se falado do fim das ideologias. Entretanto, quer-me parecer que elas não acabarão nunca. Por vários motivos que desembocam no mesmo estuário. Basta recordarmos as várias características que toda ideologia representa. Uma das mais fundamentais consiste em que a ideologia se firma sobre uma parte de verdade como se fosse toda a verdade. Portanto ela diz respeito à verdade. Acontece que ninguém, nenhuma criatura pode viver sem encontrar firmeza na sua vida, sem encontrar a-firmação. Ou busca incansavelmente alcançar a verdade plena, única capaz de nos firmar, ou tenta satisfazer-se com meias verdades. Quem se contentar com meias verdades, se tornará um ideólogo. Dito com outras palavras. Nós somos seres insaciáveis. Em definitivo não nos contentamos com meias verdades. Aspiramos ao absoluto. Somos essencialmente dependentes. Ou dependemos das meias verdades e da verdade plena. Mas a aspiração ao absoluto nos faz todos condidatos ao radicalismo, ao totalitarismo. Com uma diferença, porém. Há os que radicalizam sobre meias verdades e há os que radicalizam com a posse ou, ao menos, com a busca da plenitude da verdade. Entretanto, radicalizar sobre verdades parciais como se fossem totais, significa atropelar os outros com atitudes ou sistemas de dominação, de subjugação.
A verdade total é a única que não subjuga porque ela é respeitosa.
Há duas ciências que nos levam a ela, a filosofia e a teologia. A primeira nos conduz com muita dificuldade para a verdade. Porva-o a multidão de propostas destinadas ao fracasso. Ela pode nos conduzir à verdade plena se a nossa razão for convenientemente educada, coisa, porém, muito difícil.
Entretanto, não estamos diante de uma dificuldade invencível. Há um caminho, o da ciência da revelação de Deus. Digo ciência no sentido forte do termo, de um conhecimento sistemático, metódico, ordenado, como também no sentido de simples conhecimento dessa revelação que encontramos nas Sagradas Escrituras. Um conhecimento que brote de uma relação de intimidade pessoal com Deus ou que tenha a autenticação da comunidade de fiéis através de seus legítimos representantes, por Deus mesmo constituídos. Aqui não há atropelo, ou dependência servil, porque o verdadeiro Absoluto, ao qual dependemos como Senhor nosso, é também aquele que respeita e promove nossa identidade e nossa liberdade.
Encontramos nas Sagradas Escrituras, afirmações contundentes sobre isso. Aquele que disse "a verdade sou eu", acrescenta: "... se permanecerdes na minha palavra... conhecereis a verdade e a verdade vos libertará..."; mas, "todo homem que se entrega ao pecado, é seu escravo" (Jo 8, 31s).
A ideologia é pecado, é ídolo, porque em lugar de se adorar A VERDADE, adora-se meia verdade, absolutizando-se o que é puramente relativo. Adora-se e se absolutiza uma parte da verdade com átitudes de dominação. Esse o sentido da frase de Bento XVI na antevéspera de sua eleição a Papa. Falou ele da "ditadora do relativismo".
Igualmente, ninguém, nenhuma criatura poderá ficar sem um Senhor. Ou escolhe o verdadeiro e Absoluto Senhor do céu e da terra, ou escolhe um senhor relativo e se submete indevidamente a ele. É o caso da ideologia...

Espiritualidade

Sensacionalismo
Em aula de espiritualidade nesta manhã surgiu a questão se antes do Concílio Vaticano II a vivência cristã seria menos fervorosa do que hoje. Meu testemunho foi de que me parecia que, ao contrário, nós tivemos uma infância impreganada de fortes vivências de vida cristã. Revelava-se tal fenômeno em duas direções.
Em primeiro lugar, nós vibravamos com as narrações ou leituras da história dos mártires dos primeiros séculos do cristianismo, como São Tarcísio, São Lourenzo, Santa Inês, Santa Cecília, etc. Vibrávamos com a vida de santos jovens, como São Luis Gonzaga. Todos os anos, 21 de junho, dia de São Luis, era celebrado com grande entusiasmo, grande festejo. Entravam nesse rol São João Bergman, Santo Estanislau Koscka, São Domingos Sávio.
Em segundo lugar, nós vibrávamos com a vida dos missionários que partiam para terras de missões. Tinhamos grandes desejos de partir para essas terras. Cantávamos, por exemplo: "... as áfricas terras anelo ver e em seus sertões morrer!". Tais cantos expressavam sentimentos verdadeiros.
Qual seria a razão por que hoje não se tem mais tais sentimentos, malgrado todas as insistências por uma Igreja essencialmente missionária? Pareceu-me que um dos principais motivos consiste em que estamos viciados em sensacionalismos baratos. Vejam só. A televisão não sabe mais o que inventar para criar sensação. Por exemplo, não sabe mais o que mostrar ainda do corpo da mulher para criar sensação e chamar atenção sobre produtos de consumo. O que pensariam os homens do tempo da vinda, há dois séculos, da familia real ao Brasil, se vissem os sensacinalismos de hoje? Um grande historiador dessa vinda da família real descreveu que a maior sensação dos homens da época era poder ver o calcanhar da rainha ao descer da carruagem.
Portanto, hoje, as sensações verdadeiramente grandes não conseguem mais nos impressionar, pois estamos viciados, dependentes de sensações baratas, de segunda, ou terceira ordem.
Vale refletir sobre isso?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Jesus de Nazaré de Bento XVI

Jesus de Nazaré de Bento XVI

Quem não ouviu falar do livro, escrito pelo Papa Bento XVI, com o título Jesus de Nazaré? Dele já foram tirados milhares, digo, milhões de exemplares, em muitas línguas. Vale à pena favorecer aos leitores alguma notícia desse preciosíssimo livro. Estou com a edição Planeta do Brasil, de maio de 2007, tradução de José Jacinto de Farias, SCJ.
Antes de tudo, entendi que, se queremos acompanhar bem as meditações que o Papa faz, no esforço de aclarar o sentido da vida e da pregação de Jesus, ajuda muito partir de um princípio metodológico por ele constantemente usado.
Tal princípio consiste nisto: De um lado, devemos ver Jesus como o ponto de unidade de toda a Bíblia e, sobretudo, do Novo Testamento. Sua pessoa centraliza todas as palavras e acontecimentos narrados na Bíblia. De outro lado, Jesus só será entendido se tudo o que ele falou e fez for referido à unidade de seu “mistério”. Como, pois, se entende essa centralidade?
Bento XVI, desde a introdução, chama atenção para o Deuteronômio que termina com uma confissão ‘melancólica’: “Não se levantou mais em Israel profeta comparável a Moisés, com quem o Senhor conversava face a face” (Dt 34,10). Essa afirmação, tanto representa manifestação de desânimo, como também e, mais que tudo, de esperança e promessa da vinda daquele que, não só iria “conversar com Deus face a face”, mas inclusive seria a própria face de Deus. Igual ao Pai, “ele nos mostra o rosto de Deus, e assim nos mostra o caminho que devemos seguir...; caminho para o autêntico ‘êxodo’...” (p.23). Eis o novo e incomparavelmente mais sublime que Moisés, que “caminha à nossa frente” (Ex 32,1) para um novo e bem diverso êxodo. Quem é ele e em que consiste esse novo êxodo, manifestado em seu agir?
Primeiro, quem é ele? O Papa cita um livro escrito por um autor judeu, com o título Um Rabino fala com Jesus. Há nesse livro um diálogo sobre o que Jesus trouxe de novo em relação ao Antigo Testamento e que caracteriza bem a postura de um legítimo judeu: “... – Era isto que Jesus, o Mestre, tinha para dizer? – Não, propriamente... – O que foi que ele omitiu? – Nada! – O que foi que ele acrescentou? – A si mesmo!”.
Bento XVI explica: “... esta é a razão central por que o crente judeu não quer seguir Jesus”. É por causa da “centralidade de Jesus... que a tudo dá uma nova direção” (p.103), sobretudo ao Antigo Testamento.
Noutras palavras, Jesus não é qualquer profeta, é diferente, muito mais do que profeta. O profeta fala em nome de Deus. Jesus fala em nome próprio. Por isso, é verdade que Jesus acrescentou ao Antigo Testamento “a si mesmo”. Ele não diz “oráculo de Deus”, mas sim: “Eu vos digo...”. Pois, “ele ensina não como fazem os Rabinos, mas como alguém que tem ‘autoridade’ (Mt 7,28; Mc 1,22; Lc 4,32). O povo, diz o Evangelho, ficava não só admirado, mas “espantado” (p.101), porque Jesus se dizia Deus e falava com a autoridade de Deus.
A mãe de Santa Edith Stein, judia convicta, na discussão com a filha convertida ao cristianismo, argumentava: “Mas ele se dizia Deus...!”. Coisa que um adepto do judaísmo não consegue aceitar. E, entretanto, é esse mesmo um dos núcleos do livro de Bento XVI: Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, igual a Deus: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30).
Jesus tinha razão de se dizer Deus. De fato, no capítulo oitavo do Evangelho de João, ele se define exatamente como Deus se definiu a Moisés: “EU SOU” (Ex 3,14). Por exemplo, começa dizendo aos fariseus: “... não sabeis absolutamente de onde é que eu venho nem para onde vou... Vós não me conheceis nem ao meu Pai (Jo 8,14,19). Termina dizendo: “... se não crerdes que EU SOU, morrereis no vosso pecado” (Jo 8, 24).
Essa não parece uma definição. Mesmo porque Deus não pode ser definido, pois, a definição, nos ensina a Lógica, se faz “pelo gênero próximo e a diferença específica”, a espécie. Mas Deus não pertence a nenhum gênero de ser, como nós pertencemos ao gênero animal, e nem a nenhuma espécie de ser, como somos da espécie dos animais racionais. Como espécie somos muitos. Deus, porém, não são muitos, é único. Daí que sua definição a Moisés só podia ser esta: “EU SOU AQUELE QUE SOU! Ou, simplesmente sou! Não sou isto ou aquilo,entre muitos (p.291s).
Com tal identidade Jesus é, em pessoa, o próprio Reino de Deus. O Reino de Deus não é apenas um conceito genérico, referente a todas as pessoas de boa vontade, mas “em primeiro lugar, encontramos a dimensão cristológica. A partir da leitura das suas palavras, Orígenes caracterizou Jesus como a autobasiléia, isto é, como o Reino de Deus em pessoa. Jesus mesmo é o “Reino”; o reino não é uma coisa, não é um espaço de domínio como o reino do mundo. É pessoa: o Reino é ele” (p 59).
Junto com tratar da identidade de Jesus de Nazaré, Bento XVI se pergunta: como caracterizar o agir de Jesus? A resposta aparece em muitos lugares do livro: o agir de Jesus se encontra iluminado pelo mistério da Cruz. Todo o Evangelho converge para esse mistério e nele se unifica.
Por conseguinte, o que vem antes da cruz não constitui um conjunto à parte de conselhos e normas morais, mas deve ser visto na luz do mistério da Cruz. Pois, “esse tipo de explicação, que faz de Jesus um moralista, um mestre de moral... não se aproxima de modo nenhum da figura real de Jesus” (p 167).
Mostra-nos o Papa de como a pregação de Jesus e, sobretudo, as parábolas apontam para esse mistério. Lê-se: “Na cruz, as parábolas são decifradas... Assim... as parábolas falam do mistério da cruz... porque elas permitem abrigar o mistério divino de Jesus, levam à contradição (cf 1Cor 1,17s) É justamente onde elas alcançam uma máxima inteligibilidade como na parábola dos vinhateiros infiéis (Mc 12,1-12), tornam-se estações para a cruz... Jesus não é apenas o semeador... mas também é a semente, que cai na terra para morrer e assim produzir frutos” (p.171).
Quem é Jesus e qual foi seu agir, constituem, no meu entender, dois momentos centrais do livro Jesus de Nazaré de Bento XVI. Considero-os como importantes para quem quer ter uma primeira notícia do valor dessa obra. Porém, mais vale lê-la e, melhor ainda, estudá-la...
Achylle Aléxio Rubin / achyllerubin@yahoo.com.br