quinta-feira, 22 de maio de 2008

Corpus Christi

Hoje é Corpus Christi
Jesus veio da parti do Pai para provar de forma eminente, infinita o quanto nos ama. Como quem ama dá o que tem de melhor à pessoa amada, ele nos deu o que tinha de melhor. Por isso, não deu coisas, deu-se a si mesmo. O amor começa por dar coisas, mas termina dando-se a si mesmo. Deus nos deu tudo, toda a criação: "Deus disse: eis que eu vos dou toda a erva... todos os animais... todas as aves dos céus... os repties e tudo em que haja sopro de vida" (Gn 1,29s).
Não contente em nos dar tudo, deu-nos a si mesmo, a sua natureza, fazendo-nos filhos seus: "... necessário vos é nascer de novo..." (Jo 3,3s). Não contente com isso, deu-se a nós em forma de alimento e bebida, instituiu a eucaristia. Primeiro prometeu, com bastante antecedência. Tendo multiplicado cinco pães e três peixinhos para alimentar cinco mil homens, além da mulheres e crianças, no dia seguinte a multidão o procurou. Ele os admoestou: "... buscais-me, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes fartos... o verdadeiro pão é o que desce do céu e dá vida ao mundo... Eu sou o pão da vida" (Jo 6,26s).
Poucos horas antes de ser entregue nas mãos da maldade humana, entregando-se a si mesmo para revelar o amor, pois, "ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos" )Jo 15,13), Ele, de forma inesperada e simples, deu-se em alimento e bebida. Na última ceia, "tomou o pão, deu graças, o partiu e o deu, dizendo: "Isto é meu corpo', comei dele todos, e logo tomou o calice com vinho e disse: 'este é o cálice de meu sangue, bebei dele todos'.
Portanto, aquele que ama não se contenta em dar coisas, dá de si mesmo. Daí que o amor esponsal foi chamado por João Paulo II de ícone do amor de Deus. Daí que em todo o Antigo Testamento Deus comparou seu amor como o amor do esposo para com sua esposa. Amem

Amor, esquecimento de si

Amor, esquecimento de si

Estou escrevendo sobre o sacramento do matrimônio. Chamei-o de sacramento do amor. Entendi então que devia escrever, antes de mais nada, sobre o amor. Iniciei mostrando o amor como uma realidade paradoxal porque busca união máxima e, ao mesmo tempo, máxima distinção; união de natureza e distinção de pessoas. Na Trindade acontece de forma perfeita tal paradoxo insondável: Uma só natureza, um só Deus, em três pessoas. Comentei também que o amor esponsal é exclusivo e indissolúvel, não só por haver uma lei que postula isso, mas por ser exigência da própria natureza do amor esponsal.
Além dessas características importa salientar outra mais: O amor leva a pessoa ao esquecimento de si. O egoísmo centraliza a pessoa sobre si mesma. O amor faz com que a pessoa esqueça de si, se volte toda para o outro. Na pessoa amada ela se perde, literalmente. Passa do egoísmo, da centralidade do próprio eu, para a centralidade do outro. Talvez seja essa a razão porque o povo diz que o amor é cego. Trata-se certamente de uma avaliação egoísta, pois o amor é cego para seus próprios interesses, por estar voltado todo para o outro. As mães sabem disso. Uma delas, falando a linguagem do egoísmo, me disse: “O coração de mãe é o diacho!”.
Jesus expressa no Evangelho essa radicalidade do amor, quando afirma: ... quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á: mas, quem sacrificar a sua vida por amor de mim, salvá-la-á” (Lc 9,24). Essa é outra expressão do paradoxo do amor. Como se entende que se perder significa salvar-se? Nossa cultura egoísta, feita de imediatismos práticos não consegue entender, por não entende mais o amor.
Duas indicações nos auxiliam na compreensão desse paradóxo. De um lado, a experiência nos mostra que só o amor nos faz felizes, isto é, nos salva. Um outro texto do Evangelho nos aponta onde está a felicidade ao nos dizer: ... quando deres uma ceia, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. Serás feliz porque eles não têm com que te retribuir; mas ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos (Lc14,13-14). Serás feliz porque é com tais convidados que o amor acontece. E o amor nos faz felizes. De outro lado, Jesus que se identificou com esses “pequenos” (Cf Mt, 25,40), no dia do julgamento saberá retribuir (Mt 10,42).
Estou escrevendo que o amor nos leva ao esquecimento de nós mesmos, ele nos leva a perder-nos na pessoa amada. No amor somos levados a nos despojar, a nos esvaziar de nós mesmos em favor do outro. Novamente, perdendo-nos nos ganhamos. Quem poderá entender tal procedimento? Somente quem o experimentar. Nossa cultura nos afasta da experiência do amor.
Jesus que havia dito ninguém tem mais amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos (Jo 15,13), efetivamente, esvaziou-se de todas as suas prerrogativas, de todos os seus títulos. Não apelou para nenhum deles, nem sequer o de ser Deus. Entendeu-o muito bem São Paulo: Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas esvaziou-se de si mesmo, assumindo a condição de escrevo e assemelhando-se aos homens... (Fl 2,6).
No esvaziamento de si, quem ama também dá à pessoa amada aquilo que tem de melhor. Jesus não deu coisas mas deu de si mesmo: Ao dar a vida, revelou-nos o amor. Além disso fez-nos participantes de sua própria natureza (2Pd 1,4) e, deu-nos a si mesmo em alimento e bebida. Portanto, deu de si, do que tinha de melhor. São Vicente Pallotti sentiu isso quando escreveu: Deus me ama tanto que, se pudesse me fazer verdadeiro Deus, me faria verdadeiro Deus.
Em tal clima de amor, se a pessoa amada tiver que retribuir não o fará nunca por temor, mas será igualmente e sempre também por amor, por pura gratuidade. Jesus amou gratuitamente e quis acordar um nós a mesma atitude. Não exigiu nada em troca, não cobrou nada de ninguém, não ameaçou, não julgou ninguém, não condenou, numa palavra, não atemorizou. Só teve palavras de perdão. Se, com efeito, o amor não fosse gratuito criaria devedores e os devedores temem, como diz o provérbio popular: quem não deve não teme, mas quem deve teme.
Em conseqüência de tudo, o amor tem o caráter de certa ingenuidade. O que ama não vê malícia na pessoa amada. Deixa-se facilmente ludibriar. Não busca defender-se da maldade, não se defende porque se entrega.
Há quarenta anos atrás um grande pregador suíço, Pe. Maurice Zundel, fez uma conferência, publicada há poucos anos numa revista francesa com o título: Sauver Dieu de nous mêmes (salvar Deus de nós mesmos). Na verdade, Jesus Cristo nosso Deus, entregou-se nas mãos da maldade humana: o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores (Mc 14,41). Entregou-se por amor aos homens, mas os homens não o salvaram: Os pecadores que ele ama com predileção – Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores (Mt 9,13) – em lugar de salvá-lo, o condenaram à morte.
Entregou-se por vontade do Pai que o enviou a nós. E a vontade do Pai não foi uma vontade sádica. Foi a intenção do Pai, o amor do Pai por nós, a fidelidade à sua própria palavra que havia prometido salvação. E a salvação se faz pelo caminho do amor. Isso tudo aconteceu para que, se alguém tiver que segui-lo, o siga por amor e não por temor. Arrisca-se perder toda a humanidade, com tal que, ao menos alguns, o sigam por amor.
Tem-se recordado sempre o amor de mãe para nos dar uma leve compreensão do amor de Deus para conosco. Recordo sempre de uma triste cena televisiva do trágico episódio da mortandade na prisão de Carandiru de São Paulo. Um repórter mostrava do lado de fora da prisão ua mãe chorando convulsivamente. Perguntou-lhe: Senhora, por que choras assim? Respondeu-lhe ela: Mataram meu filho, mataram meu filho! O repórter iluminou seu rosto. Estava cheio de ferimentos que esse seu filho drogado lhe tinha feito com suas agressões.
O amor não se defende. Se a pessoa amada não o defende ele não se defende. Facilmente se deixa explorar. Sua vitória, porém, consiste em mover o outro ao amor, convertê-lo. Aliás, ninguém transforma ninguém de fora para dentro. Somos seres livres e somente conseguiremos mudar alguém de dentro para fora, movendo-o ao amor e pelo amor. Concluo recordando que o esquecimento de si tem poder. Ele apela e se insere num poder mais alto. Aliás, que seria da mãe como a minha, que gerou quinze filhos, se o amor não tivesse uma transcendência? Que frustração! Entretanto, Jesus, na véspera de sua paixão, quando estava para ser traído e levado à morte de cruz, disse: Agora é glorificado o Filho do homem, e Deus é glorificado nele (Jo 13,31). E a glorificação aconteceu. Ao terceiro dia Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes... para que toda língua confesse... que Jesus Cristo é Senhor (Fl 2,9-11; cf Deut 6,4). Há de chegar o dia feliz em que o amor triunfará.

sábado, 10 de maio de 2008

Jubileu particular

Jubileu particular
Achylle Alexio Rubin / achyllerubin@yahoo.com.br
Blog: achyllerubin.blogspot.com
Dia primeiro deste mês de maio comemoramos a jubileu de ouro do Colégio Máximo Palotino. Na esteira desse evento estou também eu comemorando um jubileu particular. Completo nestes dias cinqüenta anos de professor de filosofia. Professor no Colégio Máximo Palotino, professor na UFSM, professor nos saudosos cursos de direito e economia dos beneméritos irmãos maristas.
Minha socrática consciência, ou minha pobre auto-estima me sussurram ao ouvido: em cinqüenta anos aprendeste tão pouco e obtiveste tão parcos resultados?! Entretanto, ao tentar auxiliar nossos jovens, faço valer a palavra de Pedro ao coxo de nascença: “Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, eu te dou” (At 3,6).
Com efeito, nesses cinqüenta anos fiz o que minha frágil natureza e minha limitada inteligência me permitiram fazer: dar daquilo que minhas convicções e possibilidades me indicavam. Ao concluir o doutorado em filosofia, meu saudoso orientador de tese entendeu dar-me um conselho, dizendo-me: nos primeiro três anos de professor, considero prudente usares um manual. Eu lhe respondi com grande convicção e maior ousadia: ainda que lecione mal, penso ser preferível fazê-lo sem o uso de manuais e apostilas.
Mal imaginava então a mão de obra que essa minha pretensão iria me custar. Mas acredito ter sido premiado. Ao menos para meu proveito. Aprendi a me tornar aprendiz de filósofo, não repetindo o que os outros pensaram, mas mostrando aos alunos a arte de filosofar. Não tratei de ensinar filosofia, mas sim de ensinar a filosofar.
Aprender a história da filosofia, o pensamento dos outros, é certamente importante. Não é, porém, suficiente para se criar um filósofo. Tomás de Aquino, em seu tratado De Coelo (Sobre o Céu), escreve que a função da filosofia “não é saber o que os homens pensam, mas qual é a verdade objetiva”. Nessa busca deverá, de preferência, ocupar-se a mente humana.
Para tanto o aluno necessita ver o exemplo de alguém que filosofa diante dele. Apelei para a imagem do aprendiz a pintor. O aprendiz a pintor começa copiando pinturas. Mas se quiser progredir na arte, deverá libertar-se da dependência dos outros para, finalmente, tornar-se autêntico pintor com obras originais. Assim, o curso de filosofia não deverá ter como objetivo ensinar filosofia, mas ensinar a filosofar.
Com esse objetivo promoveu-se, ainda nos idos de sessenta, uma associação filosófica, contando como um dos principais animadores o saudoso Sergio Pires, então aluno do curso de filosofia. Essa associação promoveu seminários para alunos e professores. Em 1967, por exemplo, animou um desses seminários sobre filosofia das ciências, ao qual tomaram parte um grande número de professores, entre eles o próprio Dr. Mariano da Rocha Filho, fundador e reitor da Universidade. O conteúdo desse seminário publiquei-o há poucos anos sob o título “Três lições de filosofia das ciências”.
Ao completar, neste mês de maio de 2008, cinqüenta anos de professor de filosofia, sou muito grato por ser o que sou devido às circunstâncias a mim oferecidas por uma Providência misteriosa e cheia de amor que me conduziu, malgrado minhas resistências físicas, morais e espirituais. Incluídas nessas circunstâncias estão muitas pessoas caridosas que depositaram confiança em mim, às quais sou imensamente agradecido.