terça-feira, 7 de outubro de 2008

Introdução ao Documento de Aparecida

Pastilha 86
Breve introdução ao Documento de Aparecida


Para definir qualquer coisa é preciso descobrir-lhe o componente que lhe dê unidade e, por conseqüência, identidade. Um aglomerado de material de construção não tem propriamente definição, identidade. Pode ser casa, ponte, muro, igreja, etc. O Documento de Aparecida (DA) dedica seis páginas, doze números, para dizer que, diante da globalização, que tudo unifica, é preciso buscar o componente unificador e dinamizador da vida cristã.
Confessam os bispos a dificuldade de conhecer a realidade por seu caráter fragmentário: Isso nos tem ensinado a olhar a realidade com mais humildade, sabendo que ela é maior e mais complexa que as simplificações com que costumávamos vê-la em passado ainda não muito distante e que, em muitos casos introduziram conflitos na sociedade, deixando muitas feridas que ainda não chegaram a cicatrizar. Também se tornou difícil perceber a unidade de todos os fragmentos dispersos que resultam da informação que recebemos... pois, muitos partem unilateralmente da informação econômica, outros da informação política... nenhum desses critérios parciais consegue propor-nos um significado coerente para tudo o que existe (nº36).
Já na introdução o DA aponta para o método que não mais consiste em partir dos dados sociológicos, porque o que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os desafios da sociedade, ou as tarefas que devemos empreender, mas acima de tudo o amor recebido do Pai graças a Jesus Cristo pela unção do Espírito Santo (n°14).
Concretamente, qual então o componente unificador do DA, o “fio vermelho”, como o chamou frei Clodovis Boff? A resposta vem de uma citação de João Paulo II, em Novo millenio ineunte, que diz: A todos nos toca recomeçar a partir de Cristo. Ainda em uma segunda citação de Bento XVI, tirada da Encíclica Deus Charitas est: não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida... (DA nº12).
Mais adiante o DA insiste: sem uma clara percepção do mistério de Deus, torna-se opaco também o desígnio amoroso e paternal de uma vida digna para todos os seres humanos (DA nº35). Por isso: os cristãos precisam recomeçar a partir de Cristo, a partir da contemplação de quem nos revelou em seu mistério a plenitude do cumprimento da vocação humana e de seu destino (DA nº41)...
Por bem cinqüenta vezes o DA fala do “encontro com Cristo”. Esse é o sentido que dá unidade a tudo o que existe e nos sucede na experiência, e que os cristãos chamam de sentido religioso. Em referência à cultura latino-americana e caribenha conhecemos o papel tão nobre e orientador que a religiosidade popular desempenha, especialmente a devoção mariana... (DA nº37;cf nº43).
Bastam essas referências para dar-nos conta de que, tanto o método “ver, julgar e agir”, como a “opção preferencial pelos pobres” têm no DA um sentido bem diverso daquele que se lhe atribuiu e se o ensinou durante mais de meio século. Com efeito, logo ao afirmar que este documento faz uso do método ‘ver, julgar e agir’, também o define dessa outra forma: este método implica em contemplar a Deus com os olhos da fé, através de sua palavra revelada (DA nº19). Não mais, portanto, o define pelas situações dramáticas da vida, nem pelos desafios da sociedade (DA nº14; cf Discurso Inaugural, 3).
O mesmo deslocamento de sentido sofre a ‘opção preferencial pelos pobres’. Partindo da afirmação de Bento XVI de que tal opção está implícita na fé cristológica, afirma-se que ela nasce de nossa fé em Jesus Cristo, o Deus feito homem, que se fez nosso irmão (DA nº392; cf Hb 2,11-12). Portanto, somente na medida em que formos “nova criatura em Cristo” (2Cor 5,17) alcançaremos que os rostos sofredores de nossos irmãos pobres sejam vistos como rostos sofredores de Cristo (DA nº393), bem como o sentiu Teresa de Calcutá que fundou duas Congregações, feminina e masculina para ir às favelas e socorrer “os mais pobres entre os pobres”.
Falou-se em luzes e sombras do DA. As luzes estão caracterizadas por aquilo que disse acima, isto é, recomeçar a partir de Cristo e Maria... Pois, tal princípio de unidade vem preencher o vazio produzido em nossa consciência pela falta de um sentido unitário da vida... (DA nº38).
Sombras, vejo-as na ainda demasiada atenção que se dá nesse documento, como em muitos outros, ás análises sociológicas das conjunturas, mesmo depois de ter escrito que o que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os desafios da sociedade... (DA nº14).
Em verdade, o reino de Deus não se “constrói” a partir daí, dos movimentos sociais. Igualmente o objetivo imediato da evangelização não consiste na reforma das estruturas sociais. Não consta que os cristãos dos primeiros séculos tenham empreendido movimentos sociais para derrubar o império romano. E, não obstante, o império foi reformado, para dar lugar à civilização cristã ocidental que os dois últimos Papas tanto se empenharam por salvar seu grande valor, sobretudo diante do parlamento europeu.
A brevidade desta análise pode ter a vantagem de mostrar apenas a luz sob a qual se deve ler o DA e também mostrar a razão por que há a respeito tantas interpretações. Termino com a sugestão de lê-lo sob essa luz.

Pe. Achylle Alexio Rubin / achyllerubin@yahoo.com.br