domingo, 18 de janeiro de 2009

CF 2009 e Documento de Aparecida

Pastilha 90
CF 2009 e Documento de Aparecida

A Campanha da Fraternidade deste ano se propõe “suscitar o debate sobre a segurança pública e contribuir para a promoção da cultura da paz...” (nº 4). O Texto-base, numa primeira parte, o “Ver”, ocupa-se longamente da análise da segurança, dos conflitos e da violência.
A segunda parte, o “Julgar”, contém considerações de fundamental valor. Entre ela, há uma que complementa o lema da CF que diz “A paz é fruto da justiça”, advertindo que a violência, as guerras, pretendem fundamentar a justiça. Entretanto, “no Evangelho, o Sermão da Montanha apresenta a necessidade da superação dos relacionamentos marcados pelo ódio e pela vingança. Apresenta também que a misericórdia de Deus... tem como ponto de partida a misericórdia de todos com os seus irmãos e irmãs (cf Mt 7,1-2). Ainda, “o Evangelho de São Lucas, de um modo especial, mostra as parábolas da misericórdia para que todos aprendam que a verdadeira justiça é a que quer a superação e não a condenação” (nº 245-246; cf João Paulo II, Dives in misericórdia; Rubin A. Eterna é sua Misericórdia, cap. Cinco).
Tais afirmações relativizam toda a primeira parte do Texto-base, elevando as atenções a um outro patamar, a um nível que visa responder, não somente ao “ver” das conjunturas sociais do momento, mas ao “ver” as conjunturas de todos os tempos, de acordo com a contemporaneidade perene de Jesus – ontem, hoje e sempre. Tal contemporaneidade de Jesus, com efeito, nos convida a não nos distrair com considerações circunstanciais e passageiras, de medo de sermos rotulados de conservadores, correndo, porém, o risco já denunciado de “supormos” a Pessoa de Cristo e a vida nova em Cristo.
Entretanto, o Documento de Aparecida não podia ser mais explícito, desde sua “Introdução” a respeito disso. Quase ao acaso encontramos lá afirmações como as seguintes:
1) “O que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os desafios da sociedade ou as tarefas que devemos empreender, mas acima de tudo o amor recebido do Pai graças a Jesus Cristo pela unção do Espírito Santo. Essa prioridade fundamental é a que tem presidido todos os nossos trabalhos... enquanto elevamos ao Espírito Santo nossa confiante súplica para redescobrir a beleza e alegria de ser cristãos” (nº 14; cf Discurso Inaugural, inciso 3).
2) “Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho..., a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo... Isso não depende tanto de grandes programas e estruturas, mas de homens e mulheres novos que encarnem essa tradição e novidade... protagonistas de uma vida nova...” (nº 11).
3) “Nossa maior ameaça ‘é o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja, no qual, aparentemente, tudo procede com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando em mesquinhez’”. A todos nos toca recomeçar a partir de Cristo, reconhecendo que ‘não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, uma Pessoa’...” (nº 12).
Desde a introdução, portanto, o DA aponta para a “luz” que vai iluminando todas as suas páginas. Quando, por exemplo, inicia a Primeira Parte, afirmando que “este documento faz uso do método “ver, julgar e agir”, não deixa de ser coerente com as citações acima, ao descrever o sentido novo desse método, da seguinte maneira: a) “Este método implica em contemplar a Deus com os olhos da fé através de sua Palavra revelada..., a fim de que vejamos (“ver”) a realidade que nos circunda à luz de sua providência e; b) a julguemos (a realidade, “julgar”) segundo Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida...” e, finalmente, c) “atuemos (“agir”) a partir da Igreja, Corpo Místico de Cristo e Sacramento universal de salvação...” (nº 19).
O recém beatificado Antônio Rosmini, escreveu no século 19, antes da era do diálogo, um livro corajoso que lhe valeu muitas censuras, com o título As cinco chagas da Igreja. Hoje, na época do diálogo, poderíamos apontar uma só chaga. Identifico-a nos artigos que frei Clodovis Boff publicou nos números de outubro de 2007 e de outubro de 2008 na Revista Eclesiástica Brasileira (REB), insistindo que em termos de teologia e espiritualidade só se pode começar a partir da fé.
Parece, com efeito, estar tão infiltradas, em amplos segmentos de nossa Igreja no Brasil e alhures, convicções e linguagem de que tudo deve começar, tanto a teologia como a espiritualidade, das análises das conjunturas sociais, que não será fácil opor-se a isso. Haja vista na mesma REB as reações de Leonardo Boff, e frei Carlos Susin, entre outros, contra os artigos de frei Clodovis. Crê-se que todo dinamismo evangelizador deve brotar da “indignação” diante das injustiças sociais, marcadamente da pobreza injusta, e não mais da fé em Jesus Cristo, da “beleza e da alegria de ser cristãos”, como se lia outrora a respeito dos primeiros cristãos.

Pe. Achylle Alexio Rubin / achyllerubin@yahoo.com.br