segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Não só de matéria

Não só de matéria
Achylle Alexio Rubin
achyllerubin@yahoo.com.br

Acabo de ler um livro, cuja tradução italiana leva o título que encabeça esta crônica. Nesse livro o autor, Thomas Crean, professor de filosofia na universidade de Oxford/Inglaterra, analisa e contesta as afirmações superficiais e desfocadas do biólogo Richard Dawkins, em seu livro, aliás, best-seller, A ilusão de Deus. Oxalá essa obra de Crean seja logo traduzida ao português.
Faço essa referência porque escrevi em crônica anterior que a nova encíclica social de Bento XVI, Caritas in veritate, representa um tratado de antropologia. Sabemos que a antropologia se ocupa do estudo do ser humano, de sua natureza. Pois bem, a nova encíclica fundamenta todas as suas considerações sobre valores que ultrapassam de muito os meros valores materiais. Se Deus fosse uma ilusão, como Richard Dawkins gostaria que fosse, então sim a humanidade continuaria vítima da incomensurável ilusão de alcançar preencher o anseio de amor e de felicidade com meros bens materiais, econômicos...
A encíclica de Bento XVI, justamente em seu primeiro parágrafo, começa por nos dizer a evidência atestada até pelos filósofos pagãos, que são as virtudes de ordem espiritual, a caridade e a verdade, “a força propulsora para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira” (nº1).
É interessante que, no andar de toda a encíclica, o Papa nos mostra que esses valores espirituais, pertencentes à verdadeira natureza do homem, são determinantes na solução dos problemas humanos, tanto os de ordem pessoal, quanto os de ordem social, política, econômica e financeira. Demonstra-nos que eles conduzem a uma feliz experiência, a experiência do dom, da gratuidade, que deverá sempre temperar os mecanismos econômicos da sociedade. Insiste que são as virtudes da caridade e da verdade que “colocam o homem perante essa admirável experiência do dom”.
Se tal experiência não for ofuscada por “uma visão meramente produtivista e utilitarista da existência”,ela nos abre o espírito sedento de valores maiores, sedento de ‘ser mais’, para “a dimensão da transcendência”. Abrindo-se para a transcendência o homem se reconhece também dom em seu ser e em seu agir. Ele não é causa de si mesmo. Ele é dom, é gratuidade. Com isso ele se abre em louvor e ação de graças para o doador de todo dom.
Privado de uma tal consciência, “o homem moderno se convence erroneamente, de que é o único autor de si mesmo, da sua vida e da sociedade. Trata-se de uma presunção, resultante do encerramento egoísta em si mesmo que provém... do pecado das origens” (nº 34).
Sobre isso, Bento XVI cita o Catecismo da Igreja Católica nessa fundamental sentença: “Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação, da política, da ação social e dos costumes” (Catecismo, nº 407).
Grave erro é não reconhecer que “a natureza ferida” é a origem do egoísmo, do sensualismo desenfreado, da ganância que, hoje, todos apontam como a principal causa da grande crise em que se debatem as nações.
Acontece que “a convicção da exigência de autonomia da economia, que não deve aceitar ‘influências’ de caráter moral, impeliu o homem a abusar dos instrumentos econômicos até mesmo de forma destrutiva..., e ainda a espezinhar a liberdade da pessoa e dos corpos sociais” (nº 34). Concluo, portanto, convidando o leitor a ler com atenção a nova encíclica de Bento XVI, Caritas in veritate. Meditemos e tiremos a conclusão que se impõe de que “não só de matéria”, ou, como Jesus contestou ao tentador: “não só de pão vive o homem” (Mt 4,4; Deut 8,3)...