quinta-feira, 27 de maio de 2010

A nova Encíclica, tratado de antropologia

A nova encíclica, tratado de antropologia
Achylle Alexio Rubin
achyllerubin@yahoo.com.br

Esse título, “tratado de antropologia”, a meu modo de ver, define e resume toda a nova encíclica de Bento XVI, Caritas in veritate. Se alguém buscar lê-la e entendê-la, melhor a entenderá sob essa luz, uma antropologia da pessoa como ser social.
O enfoque da encíclica é o social. Trata-se de uma encíclica social, na esteira de uma série de cerca de dez que, desde a Rerum novarum de Leão XIII, de 1891, vieram sendo publicadas pelos papas que se sucederam até nossos dias.
Importante é considerar que o social antes de tudo pertence à antropologia da pessoa individua, porque representa um componente de sua própria natureza. Os antigos filósofos gregos, com efeito, definiram a pessoa como um “ser político”, isto é, social. O Bem Comum que fundamenta o social é um fator interno à pessoa, componente da pessoa que simultaneamente é de todos e, sendo de todos, é também e, em primeiro lugar, da pessoa. Dele nascem os princípios básicos de qualquer ação social: a justiça, a solidariedade, a subsidiaridade, a gratuidade, o dom.
Todo o arcabouço das estruturas sociais vem a ser fruto, derivação da natureza humana, fundamento último de toda ordem social. A encíclica cita, em o número 57, um princípio universal, tirado do documento do Concilio Vaticano II: “Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu centro e seu termo” (Cf Gaudium et spes, nº 12). Uma verdadeira antropologia, portanto, deverá saber orientar tal ordem universal, tendo o homem como centro e fim de tudo.
Mas isto não basta, pois, assim como todo ser tende à conservação de sua existência e todo ser vivo tende à conservação da espécie, o ser racional vai mais longe, busca insaciavelmente a verdade e o amor, como necessidades primeiras. Verdade e amor pertencem à própria essência do ser humano, de tal sorte que é só por aí que se atingem objetivos verdadeiramente “humanos e humanizantes” (nº 9). A Doutrina Social da Igreja, portanto, orienta toda a sua vasta consideração pela “centralidade da pessoa”.
Dia 13 de maio de 2004, o ainda Cardeal Ratzinger, atual Papa, fez uma conferência diante do Senado italiano, na qual afirmou:
“A dignidade da pessoa e de seus direitos, não são criados pelos legisladores, nem são conferidos aos cidadãos, mas antes existem por direito próprio, e devem sempre ser respeitados pelo legislador, pois, são atribuídos ao mesmo cidadão como valores de ordem superior”. Noutras palavras, a dignidade da pessoa, os direitos humanos, não são concessão benévola de ninguém.
A própria filosofia nos diz que o fato maior que constitui a consciência do ser humano consiste na consciência de sua conservação no ser e de seu pleno desenvolvimento. Temos aqui, na consciência, os fundamentos dos direitos naturais da pessoa, pois tal consciência testemunha que se trata de uma verdadeira posse de si que ninguém poderá violar. É o primeiro e mais profundo sentido de propriedade privada e do direito em geral. Toda ditadura, entretanto, que viola os direitos humanos, começa por violar essa posse primeira, para depois partir para a violação dos demais direitos de posse.
A outra dimensão dos “valores de ordem superior” é a que se funda no transcendente, em Deus, já que “Deus é o garante do verdadeiro desenvolvimento do homem, pois, tendo-o criado ‘à sua imagem’, fundamentou também sua dignidade transcendente e alimentou o seu anseio constitutivo de ‘ser mais’” (nº 29).
Aqui a antropologia da encíclica se eleva e se complementa ao nível mais alto da teologia, da revelação de Deus, registrada nas primeiras páginas da Bíblia.
Coisa maravilhosa! Lida sob essa luz, a luz de uma abrangente antropologia, a nova encíclica, Caritas in veritate, ganha um sentido amplo, falando do homem como ser social. E então, vale a pena repetir e meditar a afirmação do documento do Concílio Vaticano II, Gaudium et spes: “Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu centro e seu termo...”.

A Nova Encíclica Social

A nova encíclica social

Chama-se de encíclica uma longa carta, de 150 a 200 páginas que o Papa envia a toda a Igreja Católica, bispos, padres, religiosos e fieis em geral. Nessa carta são tratados assuntos de orientação para a melhor compreensão da doutrina da Igreja e para o melhor agir de todos os fieis.
Celebramos no dia 29 de junho o primeiro aniversário da terceira carta encíclica do Papa Bento XVI, tratando da Doutrina social da Igreja. O título das encíclicas é tirado de suas primeira palavras. A atual se intitula Caritas in veritate, a caridade na verdade.
Desde 1891, com a publicação da encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, os Sumos Pontífices vieram publicando periodicamente encíclicas sociais. Assim, quarenta anos após a Rerum Novarum, em 1931, Pio XI publicou uma encíclica comemorativa que leva o nome de Quadragesimo Anno. Inícios da década de sessenta, João XXIII publicou duas encíclicas sociais, a Mater et Magistra e a Pacem in Terris. Em 1971, comemorando os oitenta anos da Rerum Novarum, Paulo VI publicou a encíclica Octogésimo adveniens. Antes disso, porem, o mesmo Papa publicara, em 1967, uma importante encíclica social com o título Populorum progressio. João Paulo II, entre outros grandes documentos de orientação social, publicou um primeiro, comemorando os 20 anos da Populorum progressio, com o título Sollicitudo rei socialis. A seguir comemorou os cem anos da Rerum novarum, com a encíclica Centesimus annus.
Esses foram os grandes momentos de orientação social dos Papas, desde o fim do século XIX. Alguém poderia perguntar-se, por que orientações tão repetidas sobre a ordem social no mundo? Acontece que, de época em época, as condições sociais vão tomando nova fisionomia. Hoje, por exemplo, vivemos com a novidade do fenômeno mundial da globalização. O próprio titulo da primeira grande encíclica de Leão XIII, de 1891, significa “das coisas novas...”. As coisas novas eram na época, o surgimento da era industrial com os enormes problemas do proletariado indefeso, antes das leis de proteção social e em vista das ideologias que nos últimos vinte anos demonstraram suas através de seus fracassos.
O objetivo primeiro apontado na nova encíclica, Caritas in veritate, está expresso no fim de sua introdução, onde o Papa nos diz que “pretende prestar homenagem e honrar a memória do grande Pontífice Paulo VI, retomando os seus ensinamentos sobre o ‘desenvolvimento humano integral’... para os atualizar nos dias que correm”.
Bento XVI dá a essa encíclica de Paulo VI, Populorum progressio, um grande relevo, dedicando-lhe todo o primeiro capítulo, depois de dizer que “é minha convicção que a Populorum progressio merece ser considerada como a Rerum novarum da época contemporânea, que ilumina o caminho da humanidade em vias de unificação”(nº 8).
A nova encíclica já foi objeto de grandes atenções por parte de especialistas que lhe descobriram valores preclaros. Fundamentando na caridade toda a ordem social, tira também importantes conclusões para a ordem econômica em gravíssima crise.
Por exemplo, o jornal romano, Corriere della sera, publicou que “o economista italiano Ettore Gotti Tedeschi, expoente dos maiores grupos bancários mundiais, propôs outorgar ao Papa Bento XVI o Nobel de Economia”. E, qual o motivo? O Papa foi o único que levantou a questão do controle indiscriminado da natalidade como uma das principais causas da crise mundial em que estamos. Como assim? Ettore explica: “Tal controle da natalidade levou ao crescimento os custos fixos, como os impostos, e à diminuição da poupança e dos ativos financeiros. Entretanto, muitos analistas preferiram não aprofundar a origem “original” da crise porque tocar no tema da natalidade representa um tabu”. Vê-se que a Caridade na verdade é uma encíclica que, estudada, deverá mexer com muitos críticos político-sociais contemporâneos. Disse “estudada” porque ela não é uma obra de uma única leitura...