domingo, 30 de setembro de 2012

Carta aberta à escritora Lya Luft

Carta aberta à escritora Lya Luft


Prezada escritora

Quero felicitá-la pela sua última crônica, publicada na revista Veja, ano 45, nº 39, com data de 26 de setembro de 2012, sob o título Buscando a excelência. São 54 anos que venho lecionando filosofia e desde a primeira aula estive me orientando pela crítica à escola. De lá para cá minha crítica veio crescendo, pois a escola veio piorando sempre mais. É bem verdade o que você diz: “A mediocridade reina, assustadora, implacável e persistente. Autoridades desinformadas, alunos que saem do ensino médio semianalfabetos e assim entram nas universidades, que aos poucos vão se tornando reduto de pobreza intelectual”.

Recordo outro professor que se apercebeu desse fenômeno, Mateus Lippman. Professor de lógica no primeiro ano de faculdade confessa que quando se deu conta que era impossível fazer os alunos entenderem a lógica, abandonou a universidade e fundou o movimento Filosofia para as crianças, mundialmente conhecido. Admiro a constatação e a resolução tomada por este professor, apesar de contestar-lhe o conteúdo de tal filosofia para as crianças.

Sou professor de metafísica e busco sempre entender tudo pelas causas mais profundas. Considero que a causa mais profunda reside na carência da base última e fundamental da educação. Tal base reside na família natural. Os pais são a autoridade indispensável, única, em educação.

Vivemos, hoje, na era da tecnologia e, por isto, nossa cultura crê que todos os problemas humanos se resolvem pela tecnologia. Assim que a felicito, Lya Luft, porque foi uma das poucas vozes que, ao falar de reforma de ensino, não se apelou para os elementos tecnológicos. Com o domínio da tecnologia não se respeita e não se valoriza o que é natural e valoriza-se mais o artificial. Perdido assim o sentido da família natural se tenta construir famílias artificiais. Com isto se tenta alcançar o objetivo da educação desconhecendo a legítima autoridade educativa, que é a família natural.

Esta família também entrou em crise, em nossos dias. Assim, estas próprias crianças são matriculadas na escola mal educadas. E os pais chegam ao absurdo de reclamar dos professores por não educarem bem seus filhos. Acontece que os pais crêm possível terceirizar a educação cívico-humana em favor da escola, e a educação religiosa em favor da catequese.

Falando de alfabetização, por exemplo, entendo que se deveria fazer uma experiência pioneira em que a alfabetização fosse ministrada pelos pais. Com isto as crianças entrariam na escola com outro espírito. Insiste-se tanto para que os pais participem da escola e é de nos perguntar se tais reuniões estejam produzindo os frutos desejados. Com um décimo de tempo que os pais dedicasse à tarefa de alfabetizar os filhos alcançariam resultados muito mais satisfatórios. O mesmo se diga da tarefa de educar na fé.

Sempre me perguntei: por que as crianças, antes de começarem a frequentar a escola querem saber a respeito de tudo e fazem mil e uma perguntas e após ingressarem na escola perdem o interesse pelo saber, não fazem mais perguntas, e somente se mostram interessadas em cumprir tarefas, com fins utilitaristas.

Prezada escritora Lya Luft, convido-a a escrever outras e outras reflexões sobre este assunto. Abraços e bênçãos! Pe. Achylle Rubin

Comentário à entrevista aos teólogos Susin e Hommes

(Entrevista enviado por Adroaldo Lamaison)




Teologia da Libertação após Aparecida volta ao fundamento? Entrevistas com Luiz Carlos Susin e Érico Hammes

Luiz Carlos Susin e Erico Hammes refletem sobre a Teologia da Libertação e sobre a Vª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizado no ano passado em Aparecida, a partir do polêmico e recente artigo de Clodovis Boff.

No ano passado, o teólogo Clodovis Boff escreveu o artigo “Teologia da Libertação e volta ao fundamento”, que foi publicado pela Revista Eclesiástica Brasileira – REB, número 268, de 2007. O texto tem, desde então, suscitado polêmica dentro da Igreja. Segundo Clodovis Boff, faltou à Teologia da Libertação, a “realmente existente, a que tem atrás de si quarenta anos de caminhada e cuja evolução já deixa ver traços exigindo crítica e retificação”, consistência epistemológica. Mais: segundo o teólogo, “por falta de uma epistemologia rigorosa e clara, a Teologia da Libertação labora em ambigüidades; laborando em ambigüidades, cai no erro de princípio. E do erro de princípio só podem provir efeitos funestos”. O sítio do IHU publicou o artigo Pelos pobres contra a estreiteza do método de Leonardo Boff, questionando o artigo de Clodovis Boff.

A IHU On-Line discute o referido artigo, entrevistando Luiz Carlos Susin, por e-mail, e Erico Hammes, por telefone.

Luiz Carlos Susin, frei capuchinho, doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, é professor na PUC-RS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (ESTEF), em Porto Alegre. Ele é autor de inúmeros livros, entre os quais, citamos o livro, organizado por ele, Teologia para outro mundo possível (São Paulo: Paulinas, 2006).

Érico Hammes, padre, é doutor em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Leciona, atualmente, na PUCRS. Desenvolve, principalmente, os seguintes temas: Cristologia, América Latina e Religião. É autor de, entre outros, Filii in Filio. A divindade de Jesus como evangelho da filiação no seguimento. Um estudo em Jon Sobrino (Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995).





Eis as entrevistas.

IHU On-Line - Em que os “questionamentos críticos” de Clodovis Boff à Teologia da Libertação se distanciam e em que se aproximam dos questionamentos feitos pela Congregação para a Doutrina da Fé na “Instrução sobre alguns aspectos da ‘Teologia da Libertação’”, de 6 de agosto de 1984?

Luiz Carlos Susin – Evidentemente, os questionamentos de Clodovis provêm “de dentro” da Teologia da Libertação, de alguém que esteve muito tempo entre os protagonistas. E por isso têm um peso diferente. De certa maneira “mais pesado”, já que os questionamentos de Roma provinham de um horizonte amplo e teórico, numa linguagem de retórica tipicamente doutrinal e curial, enquanto Clodovis faz afirmações diretas, num “de repente” sem rodeios e sem grandes explicações. Isso supõe a familiaridade dele e dos seus leitores, exigindo um debate.

Erico Hammes – O artigo de Clodovis Boff se aproxima na medida em que coloca a Teologia da Libertação em crise e o faz de uma maneira total, abrangente. Na realidade, a Instrução de 1984 aborda fundamentalmente duas questões que são, de um lado, a parte da metodologia e, de outro, a concepção da liberdade humana e, por conseguinte, também a salvação. Mas há aqui a ressalva reiterada de que aquilo que vai ser dito não sirva de desculpa para manter o status quo de opressão das pessoas e nem sirva como justificação para condenar aqueles que sinceramente se ocupam pela busca da libertação dos pobres. Então, quando relemos a Instrução de 1984, vemos que ela é relativamente amena em relação a uma posição como a do Clodovis, que, sob certos aspectos, parece muito mais dura. Embora defenda a opção pelos pobres, o faz a partir de uma perspectiva cristo-cêntrica. Outro aspecto que nesse artigo de Clodovis fica mais acentuado é o tema da metodologia da Teologia da Libertação. A Instrução de 1984 se atinha à crítica ao uso do marxismo, enquanto que no artigo do Clodovis há uma referência, de certo modo, ao ver, julgar, agir, mas não uma referência no sentido de uma construção do ver.



IHU On-Line - A crítica de Clodovis Boff aos fundamentos da Teologia da Libertação aponta para uma nova proposta epistemológica? Há algo de novo para nosso tempo? O documento de Aparecida possibilita que a teologia da libertação retome o seu fundamento?

Luiz Carlos Susin - Ele propõe uma “volta” ao “princípio regente” de toda construção teórica da Teologia. Ele parece não acreditar numa interpretação circular entre os três momentos da teologia (sócio-analítica, hermenêutica, prática), e prefere uma linearidade lógica a partir de um princípio, de uma teologia primeira, passando para teologias segundas etc. E esta linguagem é estranha à Teologia da Libertação. Além disso, ele insiste na fé como lugar da elaboração da teologia primeira, e não valoriza na mesma altura a prática do amor, da misericórdia, que é a fé ainda não intelectual, mas em ato, em prática. Deus é amor, e então é pelo amor que experimentamos e conhecemos Deus. Deus é santo, e o caminho da santidade é o amor. Seremos julgados não pela fé que tivemos, mas pelo amor que praticamos. Não há razão para tanta insistência no único princípio da fé como primeiro princípio e regente de toda a teologia. Categorias consagradas como a do “Reino de Deus”, que é o ponto de vista não narcisista do próprio Deus, que está evangelicamente mais interessado em suas criaturas do que nele próprio, em que a misericórdia vale mais do que muita oração, parece não ter peso suficiente para Clodovis. Provavelmente, ele discordaria de minhas observações, e precisaríamos debater, o que muitos teólogos e teólogas estamos desejando.

Erico Hammes - A impressão que se tem é de que Clodovis procura falar em dois níveis de Teologia. Um nível seria o básico, que deveria ser universal, para todos, e depois poderia haver diferenciações, espécies secundárias de teologia, outras teologias possíveis, mas sem perder essa linha de reflexão tradicional de uma relação direta ao texto e do texto para um pensamento. Depois, num segundo momento, se faria uma espécie de aplicação. Isso é o que se pode imaginar como presente no pensamento de Clodovis e de certo modo estaria coerente com a proposta desde a sua tese de doutorado, publicada no Brasil em 1978, quando ele falava em teologia zero, teologia um e teologia dois. Teologia zero seria a reflexão racional da fé; teologia um seria a teologia tradicional; e teologia dois seriam as chamadas teologias do político, na época. Só que, a meu ver, hoje ele vai mais longe e de fato supõe uma teologia intermediária entre a reflexão racional e a teologia contextualizada. Isso é simplesmente uma concepção ingênua no sentido epistemológico, porque não existe a possibilidade de fazer uma teologia neutra. Teologia neutra é um postulado, porque todos nós quando pensamos, fazemos isso com pressupostos implícitos ou explícitos. E ninguém pode hoje fazer teologia sem essa origem própria em que ela está inserida. Então, essa teologia absoluta não existe como teologia. Eu colocaria muito mais aí o discurso religioso, o pensamento racional, depois a reflexão da fé, o ato de crer, e, em seguida, então, a teologia, mas a teologia como reflexão consciente, com os pressupostos da realidade. Isso é o que, de fato, a teologia da libertação tenta fazer. Refletir a fé com os pressupostos da realidade latino-americana. Não há uma contribuição nova aí. O que Aparecida faz é tentar, de um lado, receber o contexto latino-americano e há um esforço nesse sentido (e esse é o problema em que Clodovis quer ver a recuperação do fundamento) de fazer uma reflexão colocando Jesus Cristo como sendo o referencial absoluto. Ora, o Jesus Cristo de que Aparecida fala precisa estar situado dentro do contexto latino-americano ou então no contexto europeu. Não tem como apresentar Jesus Cristo em si mesmo, como se pudéssemos entrevistá-lo pessoalmente, deixá-lo falar à vontade e só ouvirmos. Isso não existe. Nem no tempo de Jesus não existia. Ele sempre atuou dentro do contexto da Palestina e, se ele se faz presente na América Latina, também se fará presente nesse contexto também. O que Aparecida acaba fazendo é propor Jesus Cristo como fundamento, mas não para dar definições absolutas de Jesus como se Ele não tivesse nada a ver com a realidade. E quando o Papa Bento XVI vincula, por exemplo, a opção pelos pobres a Jesus e ao Evangelho, ele tem razão, mas só se tiver essa sensibilidade. Caso contrário, não. Porque, historicamente, o que acontece é um longo discurso sobre Jesus Cristo, mas sem levar em consideração a sua vinculação com os pobres. A prova definitiva disso é que o tema da opção pelos pobres só aparece na Igreja na segunda metade do século XX. Isso no artigo do Clodovis não aparece. Para ele, ao adorar Jesus automaticamente vai se cuidar dos pobres e isso não é verdade. Só vamos cuidar dos pobres se tivermos o coração sensibilizado por essa realidade e percebermos que Jesus tem o coração voltado para os pobres. Os pobres nos ajudam a encontrar Jesus e, no momento em que percebemos essa relação, mudará nossa concepção cristológica. Falamos aqui de uma espécie de círculo hermenêutico entre os pobres e Jesus Cristo.



IHU On-Line - Quando foi publicada a tese de doutorado de Clodovis Boff, ela foi avalizada por importantes teólogos da libertação como um marco teológico fundamental para a teologia latino-americana. Clodovis mudou? Ou mudou a Teologia da Libertação? Se sim, em que consiste a mudança?

Luiz Carlos Susin - A tese de doutorado de Clodovis continua sendo um marco histórico em nossa teologia, citado em todos os continentes até hoje. Ele mesmo não desdiz o seu estudo, mas pode-se comprovar em um texto autobiográfico de Clodovis que eu mesmo editei, com o título O mar se abriu: trinta anos de teologia na América Latina (São Paulo: Loyola, 2000), o acento cada vez mais intenso no único princípio regente de toda a teologia, a Revelação de Deus recebida na fé. Penso que Clodovis se preocupou cada vez mais com o real problema da instrumentalização da teologia e da sua redução a slogans de militância, como também com a questão da espiritualidade adorante do Mistério não manipulável de Deus. Mas a Teologia da Libertação teve sempre cuidado e produziu sempre muitas reflexões nessa direção. É até irritante ouvir e ler críticas à Teologia da Libertação que, neste ponto e em outros, revelam que pessoas que criticam, na verdade, desconhecem autores e textos, falam de ouvir dizer, adotam slogans por preguiça intelectual ou falta de tempo.

Erico Hammes – É evidente que Clodovis mudou. Por exemplo, há um livro dele daquele período (Comunidade eclesial-comunidade política: ensaios de eclesiologia política. Petrópolis: Vozes, 1978), em que ele se posiciona com clareza contra a doutrina social da Igreja, dizendo que ela não dá conta da realidade e que é preciso atender a densidade do real. Então, do ponto de vista metodológico, naquele momento, ele tem uma posição muito diferente da atual. Ele se tornou um teólogo mais preocupado com um conceito de verdade em si, de princípio. E também por outros contextos, não só por esse artigo, se sabe que Clodovis tem uma resistência muito grande, uma contraposição ao chamado pensamento frágil, o pensiero debole, de Gianni Vattimo, e dos pós-modernos. Por conseguinte, a preocupação dele é com um cristianismo e uma teologia que sejam fortes, duras, retilíneas. A Teologia da Libertação certamente mudou também. Mas mudou no sentido de se abrir mais para a realidade cultural, de gênero, para as realidades interiores e de pensamento. E é evidente que ela tenha que mudar porque a realidade muda e se ela quiser ser fiel à realidade ela tem que mudar também. Mas essas mudanças são diferentes do que acontece em Clodovis. Neste caso, há uma volta ao fundamento dele. O que ele chama de volta ao fundamento da Teologia, na verdade, é uma volta ao fundamento dele.

IHU On-Line – O senhor acha que os teólogos da Teologia da Libertação se sentem representados e se identificam com os argumentos apresentados por Clodovis em seu artigo?

Erico Hammes – Posso falar pelo testemunho que tenho de um, que é Jon Sobrino. Ele se sentiu profundamente magoado por esse artigo. E isso porque o Clodovis faz uma referência explícita à notificação do Vaticano a Jon Sobrino. O problema é que Clodovis entende a verdade como verdade cartesiana. Isto é, a coisa é verdadeira por si mesma, e nós temos a capacidade de pegar essa coisa verdadeira na sua neutralidade. De fato, isso não acontece assim. Outro problema é que, para Clodovis a Teologia é a reflexão das coisas de Deus. Enquanto que na concepção tradicional se deve ter presente que a Teologia é reflexão da fé e não de Deus diretamente. E muito menos se deve confundir o discurso da Teologia com a realidade refletida que é Deus, mas Deus por meio da fé. Então, o que Jon Sobrino diz é que a plenitude da fé é a caridade. E, quando fazemos reflexão de Teologia, devemos refletir a caridade, o amor. E, se pensarmos que a primeira encíclica de Bento XVI tem como tema Deus Caritas Est e a a Teologia tem a preocupação de refletir a Deus, então nada mais justo que dizer que a Teologia é a inteligência do amor (intellectus amoris). Esse aspecto Clodovis não entendeu de forma alguma, por causa da sua obsessão por um determinado conceito de verdade em si, e não um conceito de verdade como a Bíblia o entende, que é caridade, amor. Evidentemente que Leonardo Boff não se sente representado, pois já se manifestou em uma carta sobre o assunto. E posso dizer que, de forma geral, os teólogos da libertação não se sentem representados por essa forma de teologia, sobretudo pelo tom agressivo e distorcido que existe no artigo de Clodovis.

IHU On-Line - Os questionamentos de Clodovis Boff à Teologia da Libertação e as reações que despertam colocam em discussão a afirmação do pobre como “lugar teológico”. Quais as principais dificuldades e possibilidades teológicas dessa afirmação?

Luiz Carlos Susin - Este é o cerne da questão! Afirmar que a fé cristã reconhece a partir dos evangelhos uma relação intrínseca entre Deus e os pobres deste mundo é algo central na Teologia da Libertação. E, afinal, de toda teologia que se pretenda “cristã”. Pobres não são somente miseráveis lascados, embora estes mereçam ainda mais o socorro samaritano. Pobre, na América Latina, é quase todo o povo, “gente humilde em barracão de zinco sem telhado”, como diz uma canção bem brasileira, mas povo humilde que reza na hora da Ave Maria. A Teologia da Libertação associou “Pobres” com “Povo de Deus”, Povo de Jesus. É o “lugar teológico” mais precioso do cristianismo, em que Deus se revela na “loucura e escândalo”, no avesso de uma religiosidade pagã que só pensa Deus como Poderoso, Imortal, Princípio etc. A dificuldade da aceitação do pobre como um “lugar teológico” cristão é a exigência de ruptura do conhecimento religioso e de conversão deste conhecimento praticamente ao avesso: não simplesmente um “Deus grande lá em cima”, mas um “Deus humilde lá embaixo”. É olhando para baixo e indo para baixo que encontramos cristãmente a grandeza real de Deus.

Erico Hammes – Quando se fala do pobre como “lugar teológico”, precisamos lembrar que o conceito de “lugar teológico” é bastante complexo. Mas podemos entendê-lo como uma espécie de ponto de partida de reflexão. Hoje, percebe-se a necessidade de se pensar a partir da realidade pobre. E, como tal, o pobre é um lugar teológico, pois ele faz pensar. Esse é o sentido. O pobre é lugar teológico também pela identificação do Deus judaico e cristão com os pobres. O pobre é um sacramento direto do mistério divino. Ele é lugar teológico enquanto é lugar da presença sacramental de Deus no sentido de crucificado. E aí Jon Sobrino fala sobre os crucificados da história, que é uma expressão que ele toma de Ignacio Ellacuría. A partir dos crucificados da história estamos vendo Deus (ou o filho de Deus) sendo crucificado novamente.

IHU On-Line - Que implicações existem para todo discurso teológico o reconhecimento de que Deus vem a nós pelo caminho da quenose do Verbo que se fez carne frágil e mortal? A pergunta pelo principio teológico não deveria estar implicitamente relacionado aos lugares teológicos que o próprio Deus assumiu?

Luiz Carlos Susin - É claro: esta é a “luta de deuses” – ou de “imagens de Deus” com todas as suas conseqüências - que está no coração cristológico da Teologia da Libertação. E por isso Jon Sobrino, nosso cristólogo maior, não pode ser compreendido por quem não assume este ponto de vista, que é extremamente exigente, não para os pobres, mas para os teólogos e para a Igreja em geral. Bento XVI afirmou, em Aparecida, que a “opção preferencial pelos pobres” é intrínseca à fé cristológica, e os bispos citam o Papa no documento final. Tanto o Papa quanto os Bispos entenderam que a fé em Cristo conduz aos pobres para levar o Evangelho e para socorrê-los. Ora, a Teologia da Libertação, na sua cristologia e na sua eclesiologia, diz algo ainda mais radical e necessário: Cristo – e Deus, conseqüentemente – se deixa encontrar identificado com o pobre! É claro que Cristo está na Eucaristia, na comunidade, inclusive na Criação da qual é cabeça, mas o teste, a prova de fogo, é o lugar mais humilde e mais escandaloso: o pobre. Não adianta querer amaciar o Evangelho. Para justificar a sofisticação na Igreja, é necessário utilizar outros argumentos, que têm seu peso também, mas não podem pesar tanto quanto o pobre. Este é o ponto de vista de Cristo, de Deus.

Erico Hammes – Certamente. O tema da quenose pertence a toda a grande tradição religiosa em última instância e, no nosso caso particular, ao judaísmo e ao cristianismo. De um lado, está o sangue de Abel, o justo, que grita, e isso significa que, no Primeiro Testamento, o Senhor se reconhece no clamor do sangue. Nos campos de concentração nazista, a cena de uma criança crucificada fez com que alguém na fila, na hora do almoço, perguntasse “onde está Deus?” e Eli Wiesel, que é Prêmio Nobel da Paz, responde “aí está Deus”, referindo-se à criança crucificada. Ou seja, a onipotência de Deus, diz Tomás de Aquino, é o poder da misericórdia, da compaixão, do amor. Quando dizemos “creio em Deus pai todo poderoso”, o poder de que estamos falando não é o poder de dominar, de estar acima, de ir para além da realidade, mas é o poder de fazer novas todas as coisas. Esse sentido da quenosis faz com que ali onde menos existe esperança, o poder de Deus está mais forte. Quando me sinto fraco, daí sei que sou forte. Onde existe a fraqueza, aí está o poder de Deus. Esse é o sentido da quenose.

IHU On-Line - Em Jesus de Nazaré, o discurso sobre o Reino, sobre o Deus do Reino e a ação em favor dos pobres são intimamente vinculados, relacionados. Como isto se situa frente à discussão sobre o primum epistemológico levantada por Clodovis Boff?

Luiz Carlos Susin - É justamente aqui que precisamos debater com ele. Para Deus, do ponto de vista de Deus, o “Reino de Deus” é maior do que o próprio Deus: inclui Deus e também a Criação de Deus, com especial cuidado para com as criaturas mais frágeis e mortais. Por isso, Deus é o Pai do Reino, o Filho é o missionário do Reino, o Espírito é o seio do Reino, e a Trindade está voltada para fora de si, na centralidade da “quarta pessoa” da Trindade que são os destinatários e convivas do Reino. A glória de Deus é a sua criatura viva, interpretando Santo Irineu. É uma glória não narcisista, em que Deus não está interessado em ser o centro e o primeiro. É verdade que, para a sua criatura, a glória é ver Deus, mas o não narcisismo de Deus nos faz vê-lo na humildade do pobre: a paradoxal glória de Deus num mundo injusto é que o pobre viva. Assim, quando o pobre se alegra em Deus, ele, o pobre, nos oferece um lugar comovente de experiência de Deus e do Reino, sem separação nem prioridades. O primum lógico de Clodovis, o “princípio regente”, soa de forma escolástica e aristotélica, segue uma lógica que nos esforçamos por abandonar. A circularidade é que dá conta de uma leitura teológica cristã da realidade.

Erico Hammes – O conceito de reinado de Deus só faz sentido pela tradição do próprio conceito de reino do antigo Oriente. A função do rei era cuidar dos órfãos, das viúvas, dos estrangeiros e dos pobres em geral. O resto não precisava de cuidado, pois estava incluído nas tribos ou nos clãs. Quando no judaísmo se aceita essa idéia do reinado de Deus, se diz primeiro que só o senhor é nosso rei, isto é, dos que carecem de cuidado. Quando na discussão da monarquia se aceita a introdução do reinado, foi em vista da fidelidade ao senhor. À medida que a monarquia não cumpre sua função de cuidado, surge o profetismo como crítica. E, quando Jesus começa a anunciar a vinda do reinado de Deus, ele está dizendo “Deus está vindo para cuidar dos pobres”. Os pobres são o clamor de Deus e se quisermos servir a Deus precisamos ser sensíveis a esse clamor. E, a partir desse clamor, pensar na nossa fé. O maior problema do Clodovis é querer estabelecer um primeiro passo, para depois ter uma conseqüência. Não. Ou se encontra o pobre e se aceita o pobre e ele nos faz repensar a Deus, ou não encontramos nem a Deus nem ao pobre. Para a tradição bíblica, as coisas não podem ser colocadas como um antes e um depois. Na história do cristianismo, as duas coisas se deram de forma muito interligada.

IHU On-Line - O enfrentamento desta polêmica sobre o primado epistemológico - Deus ou o pobre - não exigiria retomar o conceito de fé subjacente a esta polêmica?

Luiz Carlos Susin - Há, de fato, diferentes formas de fé subjacentes a diferentes maneiras de abordar esta delicada relação entre Deus e o pobre. Prioridade de Deus sobre o pobre ou do pobre sobre Deus são prioridades falsas porque não conseguem pensar os dois juntos, inclusive identificados, segundo Mateus 25. Ou no mesmo lugar, segundo todo o relato evangélico. Portanto, não se trata de “ou ou”, mas de “e”. Toda prioridade aqui é claudicante e pode ser o princípio de um desvio funesto. É necessário pensar de forma complexa, em círculo, e não em linearidade lógica. Quando Clodovis diz que a Teologia da Libertação colocou o pobre no lugar de Deus, e se dissesse também que colocou Deus no lugar do pobre, ou seja, ambos no mesmo “lugar teológico”, isso seria aceitável. Mas ele entende que o pobre “substituiu” Deus no discurso da Teologia da Libertação, e isso causa um enorme espanto: é pesada acusação que acreditamos não ser justa. Ele diz também que se teria colocado nos ombros do pobre um peso que ele não pode suportar. É o contrário: coloca-se uma unção que o faz recuperar sua dignidade diante dos pesos de sua vida. Quando estou em celebração com o povo pobre numa vila de Porto Alegre e olho aqueles rostos marcados, dizendo convicto que ali somos a família privilegiada de Deus, que não há dignidade maior neste mundo do que isso – e vejo uma reação de santo orgulho meneando afirmativamente a cabeça –, então penso: isto é o evangelho inteiro! O peso teológico difícil de levar é nosso, dos teólogos, dos pastores, que temos que ser rigorosos e coerentes. O peso dos pobres já é o peso da vida dura. Que eles são os preferidos, isso é lógica de mãe, e torna mais leve a dureza das suas vidas. Em suma: uma fé teocêntrica que desconsidere o “lugar teológico” de carne e osso do pobre ou o coloque em um “segundo lugar” arrisca seriamente venerar um ídolo, uma fantasia de onipotência de seu narcisismo projetado em Deus. O pobre é um lugar duro da realidade que não deixa a fé ter ilusões.



Erico Hammes – É claro. Eu tenho dificuldade em falar de um primado epistemológico entre Deus e os pobres. Eu diria que há uma circularidade epistemológica. Crer não consiste biblicamente em dizer “Senhor, Senhor”. Crer significa ouvir a palavra e pô-la em prática. No entanto, a palavra se faz carne, isto é, se faz realidade. E aí voltamos ao tema da quenose.

IHU On-Line - Clodovis Boff assinala que a Teologia da Libertação cedeu demais à modernidade. Como a Teologia da Libertação assimila esta crítica? Quais são as possíveis contribuições da posição radical de Clodovis Boff?

Luiz Carlos Susin - A Teologia da Libertação se inseriu, desde o seu início, na espessura da historicidade: é uma forma radical de teologia da história, e por isso vai se transformando com o andar da história. Hoje há quem acuse o próprio Concílio Vaticano II de ter cedido demasiado ao tempo histórico da modernidade. A leitura marxista da história, a “luta de classes” etc. – em que a Teologia da Libertação encontrou algumas afinidades importantes mas também rejeitou axiomas centrais (como o materialismo histórico e a luta de classes como método) – deram o que pensar à Teologia da Libertação, assim como Kant e outros iluministas deram o que pensar à teologia européia do século XX, o que não quer dizer que se trate de uma teologia kantiana! A Teologia da Libertação na verdade “respondeu” cristãmente às objeções de Marx à fé, como a teologia européia às questões de Kant. Não se pode mais pensar em transformação da realidade latino-americana sem a fé centrada na proximidade de Deus com o povo. Disso até Hugo Chávez sabe. Quanto mais o povo paraguaio, que elegeu um bispo católico para presidente da República.



O mérito maior de Clodovis, em seu artigo, é ter levantado, num “de repente”, uma poeira enorme que permite colocar em debate a teologia legitimamente latino-americana com grande potencial no momento em que ela é bem aproveitada no documento final de Aparecida, mas onde não se ousa dizer seu nome. Talvez nem fosse oportuno e nem necessário dizer seu nome, contrariamente ao que afirmava João Paulo II nos inícios da década de oitenta aos bispos do Brasil – que a Teologia da Libertação é oportuna e necessária. Basta que ela possa cumprir sua missão.



Erico Hammes – Clodovis tem um problema com a pós-modernidade; para ele, ainda estamos na modernidade. O que ele entende por modernidade é o fato de termos cedido às idéias liberais, à crítica ao cristianismo e a uma espécie de laicismo e ele considera que a Teologia da Libertação teria cedido a isso também. Quando conhecemos as diferenças teológicas entre a teologia européia e a latino-americana, é verdade que na Europa, especialmente na Alemanha, na primeira metade do século XX, a teologia protestante teve uma forte influência da modernidade nesse sentido. Ela procurava responder a esse sujeito da modernidade, que era um sujeito ilustrado, que queria responder a todas as coisas com a luz da razão. A América Latina é, de certo modo, moderna, mas também convive com situações que não tem nada a ver com a modernidade. No entanto, a modernidade não é problema da Teologia da Libertação. Essa teologia se preocupou muito mais com a situação de opressão da realidade latino-americana e de pobreza real das pessoas. A acusação de que a Teologia da Libertação teria sucumbido à exegese liberal européia é uma coincidência com o documento de 1984. E isso não confere. O conceito de modernidade que Clodovis usa está muito próximo de uma intriga que Ratzinger tem com o pensamento moderno, que é representado por Habermas, pela Escola de Frankfurt, e aí sim tem muita discussão em jogo. E a idéia de Clodovis poderia ser no sentido de negar a legitimidade da democracia para o pensamento.

COMENTÁRIO –Pe. Achylle

Querido amigo Adroaldo L.

De fato deveria dar mais "pano para a manga" essas entrevistas. Em primeiro lugar te agradeço muito tê-las enviado para mim porque é um assunto que me interessou muito. Estive longo tempo em correspondência com frei Clodovis. Assinei desde outubro de 2007 a Revista Eclesiástica B. para acompanhar essas discussões. As entrevistas de Susin e Hammes falam somente do artigo de out. 2007. Mas em outubro de 2008, frei Clodovis escreve outro artigo mais longo de resposta ao Susin, ao Leonardo, ao Libânio, ao Marcelo Barros, ao José Comblin e outros. Felicitei-o pelo artigo e fiz alguma observação e ele, frei Clodovis, me escreveu dizendo que não iria mais continuar a polêmica porque achava ser inútil. Vou tentar em resumo comentar alguns pontos fundamentais dessas entrevistas aos dois teólogos.

1. Susin e Hammes afirmam que "o principio regente de toda a teologia", o "lugar teológico", o "cerne da questão" é o pobre. É que, afirmam eles, a Kenosis de Jesus consiste em ele ter-se sacrificado, identificado com o pobre. Por isso, "o universal concreto da Igreja de Jesus só podem ser os pequenos, os pobres".

Que dizer desse "principio regente"? Negativo!!! Esse principio, esse lugar teológico da teologia e da Igreja, não é o pobre, por mais que a opção pelo pobre seja importante, É O PECADOR!!! Este é o mais "universal" e mais "regente". Com tal que entendamos o pecado, não como uma simples desobediência, mas como o afastamento de Deus, praticado pela sugestão da "serpente", e seguido pela criação inteira (cf Gen. 3,1s). O afastamento de Deus é que produz o "narcisismo" de que falam Susin e Hammes. Se não houve isso, então sim, não adiante "muita oração", por ser supérflua. A origem do Pelagianismo, com efeito, foi essa mesma: a negação do pecado como afastamento de Deus e então a não necessidade da graça para se justificar e se salvar. E o pelagianismo é o que está mais em voga, hoje em dia.

Ora, Jesus se fez pobre, mas mais "cerne", mais "regente" é "Aquele que não conhecera o pecado, DEUS O FEZ PECADO, por causa de nós, a fim de que, por ele, nos tornemos justiça de Deus" (2Cor.5,21, bíblia de Jerus.). A justiça, a salvação, vem dessa Kenosis, d'Ele ter incorporado o pecador e sofrido todas as consequencias do pecado. "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras..."(1Cor, 15,3). O teólogo não pode falar fora das Escrituras. Dizem ainda que não é verdade que seguindo Jesus estaremos voltados para os pobres. Susin e Hammes não leram o livro dos santos de cada dia. Veriam aí que todos os santos, seguindo Jesus, foram eximios cuidadores dos pobres e dos doentes... O que vejo nesses dois teólogos, em continuação...

2. Eles separam a fé do amor. Estribam-se na palavra de S. João que seremos julgados pelo amor e não pela fé. Aqui está a controversia secular entre Tomás de Aquino e os agostinianos e franciscanos. S. Tomás nos fornece, entrentanto, um paradigma para entendermos melhor a questão. Isto é, não há conflito entre esses dois "componentes" como não há conflito entre a matéria e o espirito em nós, ou entre a matéria e a vegetabilidade nas plantas. O ser é composto de matéria e forma e, tanto "uma" como a "outra", não tem ser, só tem ser no concreto composto. Assim o ser cristão é composto da matéria da fé com a forma da caridade. Mas, nem a fé e nem a caridade existem à parte. S. Tomás diz que a fé, adesão intelectual, sem a caridade não é virtude, não existe. A virtude é o composto, mas prioridade tem a adesão intelectual, sem a qual a forma naõ acontece, como sem a matéria não acontece um homem, uma planta, etc. A matéria é POSSIBILIDADE para acontecer... De fato também sem a caridade, que é o princípio dinâmico do "organismo" cristão, não acontece o organismo. Se tivesses meu livro "Subsídios para a arché da teologia" te aconselharia estudá-lo.

3. Ainda, "os três momentos da teologia", o "sócio-analítico, o hermenêutico e o prático", somente servem como método para as ciências exatas, e concretamente para a sociologia e não para a teologia e a filosofia. Susin e Hammes supõem que, do contrário, a teologia não se fundaria, não teria "pressupostos da realidade". Acontece que a teologia se funda em outros "pressupostos da realidade", não os "sócio-analíticos". Quais são esses outros pressupostos da realidade? São os FATOS, as REALIDADES que nós nunca poderiamos ter tido contato, se Deus não tivesse tomado a iniciativa de fazer acontecer e de nos dar a conheceer. Deus não teve pressupostos socio-analiticos para nos criar, para se revelar como pessoas cheias de amor que iriam fazer "loucuras" para nos reconduzir à sua casa, depois que nos tinhamos afastado delas. Sim, para realizar "o desígnio de reunir em Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra" (Ef 1,10)... Os teólogos da libertação, ainda, não levam em conta que o documento de Aparecida inverte o sentido do método "ver-julgar-agir". O "ver" o documento o expressa assim: "Este método implica em comtemplar a Deus com os olhos da fé através de sua Palavra revelada...". Isto é outra coisa que método sócio-analítico. Tenho a tentação de formular um juizo ousado talvez: Esses teólogos são artistas das palavras. Então seria preferível que escrevessem romances e poesias em vez de teologia. Desculpa-me se me excedi um tanto, mas creio que aí está o nó da questão. Abraços e muitas bênçãos! Pe. Achylle









sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Pastoral 3

O Dr. Guzman toca um ponto nevrálgico: a juventude está orfã de pai e mãe! As pastorais das crianças, dos adolescentes, dos jovens, e também da familia,tentam resgatar os que já estão estraviados. Por que? Porque não se cuida suficientemente do chão donde tudo brota. Se houvesse uma pastoral voltada para a preparação familiar,poder-se-ia entregar, restituir todas essas pastorais à familia, aos pais. Pois, os pais são as únicas autoridades competentes para educar uma pessoa. Em vez disso, os pais terceirizam a educação cívica em favor da escola e a educação da fé em favor da catequese. E a juventude cresce órfã de pai e mãe...




Mais sobre a pastoral


Adimiro e reconheço com admiração todo o esforço que se dispende na pastoral da juventude. Mas como professor de metafísica por longos anos, acostumei-me a buscar sempre as causas mais profundas dos fenômenos. Em nosso caso, tomo como exemplo o fato de nosso Arcebispo, Dom Mauro, na solene administração do sacramento da Crisma, citar a piada dos morcegos. Diante desse fato, se nós nos perguntassemos qual a causa mais profunda dos jovens não aparecerem mais na igreja, após esse sacramento, iriamos certamente concluir  que os jovens não têm fundamento familiar da fé. Os pais são á única autoridade para educar uma pessoa, coisa que deve começar com o ato primeiro de gerar um filho. A autoridade eclesiástica condena o Estado que não observa o princípio de subsidiariedade (Cfr Quadragesimo Anno), mas a nossa pastoral catequetica também não respeita esse princípio. Em consequencia os pais terceirizam a educação cívica em favor da escola e a educação da fé em favor da catequese. Concluo que há algo de errado na estrutura da pastoral.  Acabo de inserir no meu blog  um pequeno comentário sobre o Plano de Pastoral (achyllerubin.blogspot.com).

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Plano de pastoral

Achylle
2012-09-27 10:48:50
Plano de Pastoral / São ao redor de 50 anos, desde meus 35, que nasceu o Plano de Pastoral. Sempre estive "com um pé atrás" a respeito. Entendi que o Plano iria fixar-nos num "espírito" demais dependente do mundo tecnólogico, diria cartesiano, e que iria privilegiar a razão, o ensino, enquanto que a evangelização, como a entendo, e como Bento XVI várias vezes falou, é questão de vida nova em Cristo. Os novos carismas poderão ser voz indicativa de outro estilo, ou espírito, mais condizente com a novidade do Evangelho, pois, a vida é sempre novidade. O Evangelho não pode perder o caracter de novidade!

sábado, 15 de setembro de 2012

Teologia do caminho e do templo

Há um mês, Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS, esteve entre nós dando um curso de pastoral urbana. 1. Seu método: a mediação das ciências sociais. "São estas que descrevem e retratam o terreno da realidade sobre a qual floresce a reflexão teológica. De fato, falar sobre Deus é falar sobre a mística humana, em sua busca irrequieta e suas  manifestações, ritos e comportamentos sócio-políticos. Daí se engendra o conceito de circulo hermeneutico...".
Minhas dúvidas: Onde fica a revelação de Deus sobre a qual se funda a teologia? Que sentido tem a "mística humana"? A vida cristã deve ser medida pela epopéia do Êxodo, ou pela vida de Cristo? Jesus deve ser medido pelo "viu a miséria", "ouviu o clamor" e "conheceu o sofrimento"? Ou pelo "designio de reunir em Cristo todas as coisas" (Ef 1,10), depois que a humanidade, e com ela toda a criação, se afastou de Deus, o que se chama de pecado? 2. Essa teologia do "círculo hermenêutico" considero-a enganosa, porque, ao fundar-se sobre o Antigo Testamento, pode-se admitir que é parcialmente verdadeira. Não foi por acaso que após a úlgima grande guerra, teólogos católicos estiveram atribuindo maior dinamismo à ideologia do marxismo, que pode ser interpretada como tirada do A. T. Por  nada Carlos Marx não foi de familia judia convertida após ao cristianismo. Nessa ideologia imperam o messianismo, o profetismo, a justiça, a luta, todos valores do A.T. e...marxistas. Com Jesus esses valores ganham todo outro sentido. Pois, para o N.T. não é a pobreza, a miséria, a doença, o "clamor" o "sofrimento", o mal absoluto. O mal absoluto é a perda da vida eterna, na perspectiva do limite de nossa existência. Sim, "é melhor para ti entrares na vida coxo ou manco, que tendo dois pés e duas mãos, seres lançado no fogo eterno... é melhor para ti entrares na vida cego de um olho, que seres jogado com teus dois olhos no fogo da geena" (Mt 18,8s.). Portanto, o mal absoluto é o pecado do afastamento de Deus... Vencer esse pecado foi o "desígnio" de Deus Pai e não foi vencer a limitação da vida, a pobreza, a doença, a injustiça, etc.  

sábado, 8 de setembro de 2012

Duas tendências na Igreja

Duas tendências na Igreja, hoje




Recebi poucas, mas muito significativas apreciações sobre minha última crônica. Uma jornalista, ex-aluna minha no curso de filosofia, escreveu-me: “Parabéns pela sua crônica desta semana: 'O que se passa na Igreja, hoje'. É muito bom ver um padre com esta lucidez e coragem pra dizer isso...”. Outra opinião veio-me de um professor de teologia: “...gostei muito do seu último artigo para a Razão. Continue a ensinar teologia...”.

Pensei que esse seria um estímulo suficiente para abordar um tema de conseqüências ainda mais amplas na Igreja, o de duas tendências generalizadas. Essas duas tendências poderiam ser representadas pelos dois grandes movimentos designados por frei Clodovis Boff, irmão de Leonardo, com os nomes “libertadores” e “carismáticos” (cf. Revista Eclesiástica Brasileira (REB), março de2000).

A meu ver o que esses dois movimentos representam é um modo secular e diferente de encarar a vida cristã. De um lado estão aqueles que dão primazia à ação humana, à eficiência na ação, à “prática da fé” e, de outro lado, aqueles que acentuam a fé, a ação de Deus nas pessoas, na sociedade, no mundo. Os primeiros terminam com muita facilidade “supondo” a intervenção de Deus na vida das pessoas, os segundos atribuem prioridade à presença e à ação de Deus em tudo, como, aliás, deve ser. Os primeiros falam da eficiência no “seguimento comprometido” de Jesus (cf prefácio da edição Loyola do documento de Santo Domingo), os segundos falam de sermos meros instrumentos dependentes da verdadeira e última causa de tudo o que acontece. Assim a designação de “libertadores e carismáticos” reflete bastante bem a diversidade de tendências na vida e no apostolado da Igreja, hoje.

Não podemos atribuir aos “libertadores” a negação da graça, o que significaria simplesmente atribuir-lhes a pecha de heresia pelagiana. Entretanto, eles adotam uma postura tal que os coloca na fronteira dessa heresia. Considero que foi essa postura que levou o cardeal de Bruxelas a afirmar que o pelagianismo é o maior perigo atual da Igreja.

O pelagianismo teve origem no século IV de um monge irlandês que se chamava Pelágio. Esse monge achou por bem negar, ou desconsiderar a ação da graça de Deus na nossa justificação e, portanto, na nossa salvação. Esse ensinamento, no fim do século IV e inicio do século V, foi combatido com todo o vigor por Santo Agostinho e por São Jerônimo.

Dando primazia ao “seguimento comprometido de Jesus Cristo”, Jesus passaria a representar mero “modelo”, ou um “auxiliar” na prática pastoral. Não é visto e vivenciado como causa eficiente dessa mesma prática. A acentuação então recai sobre nossos “planejamentos” e nossa ação, ainda tomando Jesus Cristo apenas como “exemplo” e “modelo”. Não se chega a atribuir a Jesus verdadeira causalidade e eficiência de tudo o que acontece na Igreja e no mundo, de acordo com o que ele próprio afirmou: “... quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo, 15, 05).

Estimo que por não ser sensível à causalidade de Deus, não se atribui suficiente importância a esse fator que passa a representar coisa “abstrata”, “teórica”, sem muita influência na vida e na prática pastoral. E assim essa causalidade de Jesus é “suposta”, como o reconheceu o próprio fundador da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez.

Convém citar Bento XVI: “Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as conseqüências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora, um tal pressuposto não só deixou de existir, mas freqüentemente acaba até negado” (Cfr. Porta Fidei, nº 2).

Vejo que o grande problema está em se entender melhor a relação entre essas duas tendências da Igreja, hoje. Na verdade ali está o grande problema. Se entendêssemos essa relação teríamos mais facilidade em entender como andam juntas “fé” e “prática da fé”. Na próxima crônica, se Deus quiser...