sábado, 8 de setembro de 2012

Duas tendências na Igreja

Duas tendências na Igreja, hoje




Recebi poucas, mas muito significativas apreciações sobre minha última crônica. Uma jornalista, ex-aluna minha no curso de filosofia, escreveu-me: “Parabéns pela sua crônica desta semana: 'O que se passa na Igreja, hoje'. É muito bom ver um padre com esta lucidez e coragem pra dizer isso...”. Outra opinião veio-me de um professor de teologia: “...gostei muito do seu último artigo para a Razão. Continue a ensinar teologia...”.

Pensei que esse seria um estímulo suficiente para abordar um tema de conseqüências ainda mais amplas na Igreja, o de duas tendências generalizadas. Essas duas tendências poderiam ser representadas pelos dois grandes movimentos designados por frei Clodovis Boff, irmão de Leonardo, com os nomes “libertadores” e “carismáticos” (cf. Revista Eclesiástica Brasileira (REB), março de2000).

A meu ver o que esses dois movimentos representam é um modo secular e diferente de encarar a vida cristã. De um lado estão aqueles que dão primazia à ação humana, à eficiência na ação, à “prática da fé” e, de outro lado, aqueles que acentuam a fé, a ação de Deus nas pessoas, na sociedade, no mundo. Os primeiros terminam com muita facilidade “supondo” a intervenção de Deus na vida das pessoas, os segundos atribuem prioridade à presença e à ação de Deus em tudo, como, aliás, deve ser. Os primeiros falam da eficiência no “seguimento comprometido” de Jesus (cf prefácio da edição Loyola do documento de Santo Domingo), os segundos falam de sermos meros instrumentos dependentes da verdadeira e última causa de tudo o que acontece. Assim a designação de “libertadores e carismáticos” reflete bastante bem a diversidade de tendências na vida e no apostolado da Igreja, hoje.

Não podemos atribuir aos “libertadores” a negação da graça, o que significaria simplesmente atribuir-lhes a pecha de heresia pelagiana. Entretanto, eles adotam uma postura tal que os coloca na fronteira dessa heresia. Considero que foi essa postura que levou o cardeal de Bruxelas a afirmar que o pelagianismo é o maior perigo atual da Igreja.

O pelagianismo teve origem no século IV de um monge irlandês que se chamava Pelágio. Esse monge achou por bem negar, ou desconsiderar a ação da graça de Deus na nossa justificação e, portanto, na nossa salvação. Esse ensinamento, no fim do século IV e inicio do século V, foi combatido com todo o vigor por Santo Agostinho e por São Jerônimo.

Dando primazia ao “seguimento comprometido de Jesus Cristo”, Jesus passaria a representar mero “modelo”, ou um “auxiliar” na prática pastoral. Não é visto e vivenciado como causa eficiente dessa mesma prática. A acentuação então recai sobre nossos “planejamentos” e nossa ação, ainda tomando Jesus Cristo apenas como “exemplo” e “modelo”. Não se chega a atribuir a Jesus verdadeira causalidade e eficiência de tudo o que acontece na Igreja e no mundo, de acordo com o que ele próprio afirmou: “... quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo, 15, 05).

Estimo que por não ser sensível à causalidade de Deus, não se atribui suficiente importância a esse fator que passa a representar coisa “abstrata”, “teórica”, sem muita influência na vida e na prática pastoral. E assim essa causalidade de Jesus é “suposta”, como o reconheceu o próprio fundador da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez.

Convém citar Bento XVI: “Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as conseqüências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora, um tal pressuposto não só deixou de existir, mas freqüentemente acaba até negado” (Cfr. Porta Fidei, nº 2).

Vejo que o grande problema está em se entender melhor a relação entre essas duas tendências da Igreja, hoje. Na verdade ali está o grande problema. Se entendêssemos essa relação teríamos mais facilidade em entender como andam juntas “fé” e “prática da fé”. Na próxima crônica, se Deus quiser...

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