terça-feira, 13 de novembro de 2007

O Sacramento do amor

O Sacramento do Amor

No artigo de novembro tratei sobre a “loucura de Deus”, o sentido da cruz. A loucura procede de duas fontes totalmente diferentes. Uma acontece quando se dá lesão cerebral, ou perturbação da circulação cerebral. A outra fonte de loucura consiste num grande amor. Quem tem um grande amor faz loucuras. Deus fez conosco tais loucuras de amor. Convido o leitor a seguir meditando, pois. agora vou falar de outro patamar do amor, o amor humano que de forma alguma é estranho ao amor de Deus.
Leva-me a isso a multidão de problemas de relacionamento familiar que escuto diariamente. É um assunto que ocupou a atenção de filósofos e teólogos de todos os tempos. Todos buscaram uma solução para o problema humano. Uma lição, porém, podemos tirar dessa preocupação. O fato de haver inúmeras teorias a respeito pode mostrar a dificuldade de se encontrar uma resposta adequada.
Platão, por exemplo, em seu livro, As leis, fala da guerra que acontece entre os estados, entre as cidades, entre as famílias, entre uma pessoa e outra e, finalmente, no íntimo de cada qual. Cada qual, por respeito a si mesmo, “é como um inimigo diante de um inimigo”. E conclui o filósofo: “... vencer a si mesmo é a primeira e a mais bela de todas as vitórias, ceder a si mesmo é a pior e mais vergonhosa de todas as coisas. Isto que acabo de dizer, significa afirmar que há guerra em cada um de nós contra si mesmo”.
Qual então o inimigo intimo que devemos combater? Platão responde: “os elogios fáceis, os prazeres, o apego a este mundo e a transgressão das leis, etc.”.
Quem sabia antes de todos os filósofos que as dificuldades de viver o amor eram grandes, foi o próprio Deus. E o maravilhoso é que ele tomou a iniciativa de nos vir em socorro por puro e grande amor. Ao nos enviar seu eterno Filho, Jesus Cristo, foi como se tivesse, sendo infinito, esgotado todos os seus recursos para nos socorrer.
Antes de tudo nos faz, pelo batismo, filhos seus. Depois, em cada etapa de nossa vida, enriqueceu sua Igreja de recursos renovados. Para a importante etapa que realiza o mandamento “crescei e multiplicai-vos” (Gen 1,28), instituiu o matrimônio, o sacramento do amor esponsal.
Tenho intenção de abordar esse assunto nos próximos meses, precisamente levado por tantas confidências que me são diariamente feitas em busca de alguma resposta a inúmeros problemas de relacionamento familiar. Sentir-me-ei feliz se conseguir abrir uma fresta de luz nessa área tão árdua.
Em primeiro lugar, a título quase de introdução, vou falar da índole desse assunto, muito relacionada com a filosofia. Isto é, esse não é um tema que pode ser visto e mostrado. Ele ultrapassa o sensível, não pode ser imediatamente tocado por nossos sentidos. É como falar da bondade, da justiça, do próprio amor. Tudo isso é real, mas não pode ser mostrado para ver e apalpar. E contudo, são coisas reais. Conhecemo-las pelos seus efeitos, pelos sentimentos que fazem nascer em nós e pelo comportamento diferente que condicionam.
Quando, por exemplo, falamos das realidades que acontecem depois de nossa existência terrena, não temos maneira de mostrá-las para serem vistas, ou tocadas. Elas são transcendentes, quer dizer, estão além das coisas materiais sensíveis. Quando o Papa João Paulo II critica as filosofias modernas que se fecham para a transcendência, ele quer dizer que negam as realidades que estão além do mundo material.
Sabemos de sua existência porque Deus no-lo disse. Está escrito na Bíblia. Não é palavra de homem, é palavra de Deus...
Nos sacramentos da Igreja trata-se precisamente dessas realidades que nos foram ditas, testemunhadas por Jesus Cristo. Por exemplo, no Evangelho, Jesus, “interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o Reino de Deus, respondeu-lhes: ‘A vinda do Reino de Deus não é observável. Não se pode dizer: ‘Ei-lo aqui! Ei-lo ali!’, pois, eis que o Reino de Deus está no meio de vós’” (Lc 17,20-21).
Jesus quis dizer que o Reino de Deus era ele próprio, enquanto Deus. Estava no meio deles, mas eles não o podiam ver. O que os fariseus observavam com seus olhos era só um homem e não Deus. Se os fariseus vissem Deus, não teriam feito a pergunta, seria uma realidade evidente e a pergunta seria supérflua.
Da mesma forma, como não se vê Deus em Jesus Cristo, não se vê o que o batismo produz em nós, o “renascer da água e do Espírito” (Jo 3,5). Jesus repreende Nicodemos: “És doutor em Israel e ignoras estas coisas!” (Id v.10). Muito menos se vê Jesus na hóstia consagrada. É a palavra de Jesus, “palavra de Deus”, que nos assegura tudo isso.
Até que o efeito do batismo se pode ver. Todos deveriam perceber a diferença existente entre uma pessoa que vive intensamente seu batismo e outra que não o vive. Por exemplo, as multidões que iam se encontrar com o Pe. Pio, por que motivo iam vê-lo pessoas de todas as partes do mundo? Não seria porque nele apareciam muito fortes os efeitos do batismo? Outro exemplo foi o de São João Maria Vianey. O governo francês, cheio de preconceitos contra a religião, contudo, teve de construir uma estrada de ferro até a vilazinha de Ars, para transportar tantos peregrinos que iam ver e se confessar com o santo “cura d’Ars”. Aliás, em todas as comunidades cristãs há pessoas que se distinguem por sua vida batismal. Basta ter olhos para ver.
Jesus fala muitas vezes dos “sinais dos tempos”. Não porém da aparência dos sinais, senão da dimensão do espírito que eles carregam. Essa dimensão não todos a “vêem”. Os escribas e fariseus recusavam-se a “ver” o sentido dos “sinais”. Por isso, pediam sinais e nada viam na quantidade que estavam acontecendo ao seu redor. Jesus os interpela: “Hipócritas, sabeis distinguir o aspecto do céu e não podeis discernir os sinais dos tempos? Essa raça perversa e adúltera pede um milagre! Mas, não lhe será dado outro sinal senão o de Jonas!” (Mt 16,4).
Os hipócritas de todos os tempos continuam não vendo o sentido dos “sinais”. Há, porém, muitos que vêem. Falo a esses, ao falar do Sacramento do amor, do matrimônio cristão.
Todo sacramento, em verdade acontece com um sinal material, carregado de uma realidade que não se vê, não se apalpa e somente se vê através de seus frutos. Quantidade de casais se dão conta disso. Ao dar-se conta, por graça de Deus, louvam e agradecem sem fim. Seguirei falando do sinal visível do matrimônio cristão e de seu conteúdo invisível. Até o próximo mês.

Pe. Achylle A. Rubin / achyllerubin@yahoo.com.br

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