terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Buscai primeiro o Reino de Deus

Há muito venho meditando sobre a afirmação de Bento XVI em sua Encíclica Deus charitas. Escreve aí sobre "a inseparável relação entre o amor a Deus e o amor ao próximo" (nº 16).
Ouso colocar aqui como convite à reflexão uma visão que parece pouco considerada nos tempos atuais. Todos estamos já de acordo em dizer que não são, digamos, dois componentes que se excluem ou que andam paralelos, como, aliás, já se tem afirmado. Na prática pastoral amor a Deus e amor ao próximo poderiam ser traduzidos por este outro binômio: ação pastoral e ação social.
Nos últimos tempos a vida cristã esteve muito dividida entre dois grupos nitidamente distintos. Os que buscavam aprofundar a experiência de Deus, a vida batismal, e os que se consagravam à missão social da Igreja. Estes últimos acusavam os primeiros de "intimismo", coisa que o próprio Papa Bento XVI mensionou em seu Discurso inaugural da V Conferencia dos Bispos da América Latina e do Caribe. Representantes dessas duas posturas aparecem de um lado as Comunidades Eclesiais de Base e, de outro, a Renovação Carismática Católica.
No meu entender, há um grande esforço no seio da Igreja por relacionar essas duas posturas com uma "inseparável relação". A questão que me faço, porém, visa aclarar como acontece tal relação.
O capítulo oitavo do Documento de Aparecida sobre "Reino de Deus e promoção da dignidade humana", espicaça minha curiosidade por encontrar e propor à reflexão uma resposta sobre o modo como o amor a Deus e o amor ao próximo se relacionam. Sinto que tal relação é análoga à relação entre a Doutrina Social da Igreja e a vida batismal do cristão.
Vou arriscar uma resposta, hoje, não comum. Na chamada filosofia clássica que eu identifico com a de Santo Tomás de Aquino há parâmetros racionais que, na minha opinião, ajudam enormemente a compreender essa relação. Deveremos partir de um ponto que podia ser o seguinte: Todo ser criado é composto de um componente "ativo", determinante, e outro componente "passivo", determinado. Dou um exemplo: o que determina que a matéria se faça planta? Essa matéria poderia ser qualquer outra coisa: animal ou elemento químico. No caso da planta a matéria é determinada pelo componente vegetal determinante. Este representa para a matéria um "poder" capaz de selecionar da terra e da luz os elementos de que precisa para, com uma "engenharia" admirável, organizá-los de sorte a se fazer crescer, dar flores e frutos. Ninguém faz isso por ela.
Vamos agora ao caso. Pelo batismo nós recebemos um componente, "participação da natureza divina" (2Pd, 1,4). Tal componente está vocacinado a atuar em nós à semelhança do componente vegetal para a matéria. Pois bém, assim como o componente vegetal dá àquela matéria a capacidade de crescer e produzir, assim também o componente divino do batismo produz frutos de amor ao próximo, todos os elementos de promoção humana, de justiça social, conforme a passagem de Mateus, 6, 19-24 e de Lucas 12, 22-31. Ambos os evangelistas concluem: "Buscai em primeiro lugar o Reno de Deus e sua justiça que todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo".
Concluo. "Todas estas coisas"... poderíamos dizer que são a ética, a ação social, a opção pelos pobres, a fome e a miséria, etc. Essas coisas, porém, deveriam fluir ao natural do crescimento na vida batismal, à semelhança do vigor da matéria vegetal.
Assim que, lanço como convite à reflexão, a Doutrina Social da Igreja representa um auxílio lateral que a Igreja oferece ao Estado; auxilio esse que é tirado da intensidade da vida cristã e por ela somente será realizado. Pode-se dizer que todos os santos foram dedicados de forma exímia aos pobres, aos doentes, enfim, aos necessitados, sem nunca terem feito opção pelos pobres. O atendimento aos necessitados brotava espontâneo da compaixão que fluia da vida batismal e não do compromisso. É outro tipo de compaixão.
Tenho escrito que o Império Romano, não ruiu porque os cristãos se lançaram a reformar as estruturas. Ruiu porque, quando o Império, por assim dizer, se deu conta, a mãe do Imperador era nada menos que Santa Helena. O Império foi permeabilizado pela novidade de vida dos cristãos, pela novidade do amor fraterno: "vede como se amam!"
Portanto, concluo repetindo: "Buscai primeiro...".
Considero esta reflexão de suma importância para nossa Igreja. Gostaria de dialogá-la com outros.

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